O OUTRO LADO DA MOEDA
IPCA cai a 4,16% e juro real sobe a 9,187%
Publicado em 12/05/2023 às 13:53
Alterado em 12/05/2023 às 13:53
Não sei se o caro leitor conhece a famosa ilusão de ótica da “Escada” do genial artista plástico holandês Cornelius Escher. Quando estava iniciando minha carreira na Economia do JB, nos anos de 1972-73, o então editor, Noênio Spinola, que tinha uma edição com os desenhos do artista, sempre usava uma ilustração das escadas para “ajudar” a explicar os paradoxos da economia brasileira. Pois agora recorro novamente a Escher.
Só ele pode explicar o atual paradoxo: a inflação do IPCA voltou a cair em abril (de 0,71% em março para 0,61%), provocando redução da taxa acumulada em 12 meses de 4,65% para 4,18%. Porém, como a taxa Selic ficou estacionada em 13,75% ao ano (desde agosto de 2022), o juro real (a Selic descontado o IPCA) continua subindo: era de 8,7% em abril (refletindo a inflação de março) e chegou a 9,18% em maio, refletindo a taxa de 4,18% em abril.
É verdade que o Comitê de Política Monetária do Banco Central está diante de um paradoxo ainda maior. O Copom sustenta que as taxas de juros precisam continuar altas para derrubar a inflação, que se apresenta bem acima do teto da meta prevista para 2023 (3,25% + 1,50% de tolerância = 4,75%, e as projeções do mercado estão na faixa de 6%) e 2024 e 2025 (3,00% + 1,50% =4,50%), estacionadas ao redor de 4%.
Mas o IPCA, que estava em 12,13% em abril do ano passado (após os impactos da guerra na Ucrânia, o BC iniciou uma escalada de 9,25% em fevereiro para 13,75% em agosto) caiu para 5,79% em dezembro não pelo efeito da política monetária, mas pela redução de impostos (renúncia fiscal) sobre combustíveis, sobretudo gasolina, energia elétrica e comunicações.
Com a intervenção eleitoreira do ministro da Economia, Paulo Guedes, para reeleger o presidente Jair Bolsonaro, houve deflação de 1,32% de julho a setembro. Se Bolsonaro tivesse vencido em 30 de outubro, e não Lula, Guedes teria iniciado a recomposição de impostos (para recuperar a arrecadação) já em novembro. Embora impopular e passível de ser acusada pela oposição como estelionato eleitoral, a recomposição poderia ser suportada politicamente por um governo reeleito, com ampliação de base no Congresso. Mas deu Lula.
Como o novo governo só tomou posse em 1º de janeiro e no domingo seguinte houve a tentativa de golpe de 8 de janeiro, perdeu-se um bom tempo para a recomposição dos impostos (em bases menores), com reações do mercado financeiro (que preferia Bolsonaro) projetando inflação mais elevada, na suposição de recomposição plena dos níveis tributários anteriores (o governo Lula não recompôs mais que 60%) e a inflação segue caindo mês a mês.
Com isso, a taxa de juros real segue em elevação. O Copom permanece cauteloso porque teme que após os efeitos benéficos de trocas de índices altos no 1º semestre do ano passado por índices menores este ano (a supersafra dos cereais está derrubando os preços da soja, do milho e das rações para aves e suínos, além do gado leiteiro e a baixa do câmbio a menos de R$ 5 ajuda a redução dos preços dos combustíveis).
Mas o 2º semestre terá o efeito inverso da Escada de Escher: em vez de preços negativos em julho (-0,68%), agosto (-0,36%) e setembro (-0,29%), o mercado espera taxas positivas, o que voltará a pressionar a inflação em 12 meses para cima. Nada que comprometa a projeção em torno de 6% para dezembro. Mas o Copom acha prematuro baixar a Selic sem ter certeza como se comportam os preços em maio, junho e julho e adiante.
Em abril, surpresa em alimentos
Apesar da supersafra, que está derrubando preços no atacado, nos dados do IBGE em abril, com alta de 0,61% no IPCA (que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos – R$ 52,080, pelo mínimo então vigente de R$ 1.302) e 0,53% no INPC (que mede as despesas das famílias que ganhavam até 5 SM – R$ 5.610), a alta de 0,71% em Alimentos & Bebidas em abril surpreendeu, com impacto de 0,16 ponto percentual no IPCA. O item havia registrado altas de somente 0,05% em março, 0,16% em fevereiro e 0,59% em janeiro. Os alimentos em domicílio, que haviam caído 0,14% em março, subiram 0,73% em abril. No acumulado dos quatro meses do ano os Alimentos&Bebidas subiram apenas 1,53%, contra 7% no mesmo período do ano passado. Foi uma baixa notável.
O que segue pressionando os alimentos em domicílio são as oscilações dos preços das frutas e hortaliças e verduras (lavouras de ciclo curto, produzidas por agricultores familiares, em pequena escala, sujeitas ao clima e com uso reduzido de tecnologia, comparado às lavouras de soja, milho, algodão, laranja, cana e café, com uso de caros e modernos maquinários). Ou seja, o governo precisa fazer programa de assistência técnica, capacitação aos agricultores e estimular as indústrias a produzirem máquinas eficientes para a pequena lavoura, como faz a China, onde predomina a atuação de cooperativas.
Em abril, segundo o IBGE, houve alta nos preços do tomate (10,64%), do leite longa vida (4,96%) e queijo (1,97%), com o impacto da estiagem na redução da vegetação nos pastos. Nas quedas, destaques para a cebola (-7,01%) e o óleo de soja (-4,44%). Em abril, os preços das hortaliças e verduras subiram 2,45%, acumulando alta de 23,48% nos quatro meses do ano. Já as frutas, apesar da baixa de 0,16% em abril, acumulam alta no ano de 6,25%. O que está segurando os preços dos alimentos é o comportamento da carne (-0,45% em abril e -3,16% no ano) e das aves e ovos (+0,05% em abril e -1,30% no ano).
Pressão de remédios
Mas o item que mais pressionou o IPCA, com 0,19 p.p. foi Saúde e Cuidados Pessoais, que registrou alta de 1,49%, puxada pelos reajustes autorizados, em 31 de março, de até 5,60% nos remédios (contribuição de 0,12 p.p. no IPCA). Os planos de saúde contribuíram com alta mensal de 1,20% (com a incorporação das frações mensais dos reajustes dos planos novos e antigos para o ciclo de 2022 a 2023).
Alívio em combustíveis
Nos Transportes (2,11% em março para 0,56% em abril), a desaceleração teve influência da queda dos combustíveis (-0,44%), após alta de 7,01% em março. A Petrobras, que usa boa parte do próprio petróleo no refino, aproveitou a baixa do câmbio e dos preços internacionais para reduzir preços nas refinarias. Para o consumidor o IBGE apurou queda no óleo diesel (-2,25%), gás veicular (-0,83%) e gasolina (-0,52%). Já o etanol, produzido pelas usinas privadas, subiu 0,92% (o açúcar ficou 1,12% mais caro). Apesar da queda do QAV, as passagens aéreas subiram 11,97% em abril, após caírem 5,32% em março.
No item Transportes, as tarifas de metrô (1,24%) sofreram reajuste de 6,15% no Rio de Janeiro (3,54%), a partir do dia 12 de abril. A alta de 1,11% em ônibus urbano deve-se aos reajustes de 15,75% em Fortaleza (9,16%) e de 33,33% em Belo Horizonte (6,67%), a partir de 23 de abril.
No grupo Habitação (0,48%), a maior contribuição (0,02 p.p.) veio da energia elétrica residencial (0,48%), com reajustes em quatro áreas de abrangência do índice: em Campo Grande (6,11%), reajuste de 9,80%, a partir de 8 de abril; no Rio (5,23%), com reajustes de 7,49% e 6,00% nas duas concessionárias pesquisadas, a partir de 15 de março; em Salvador (1,19%), com reajuste de 8,28%, a partir de 22 de abril; e em Fortaleza (-1,39%), com reajuste de 4,85%, a partir de 22 de abril.
Itaú vê viés de baixa
A comentar o resultado, que superou sua expectativa de 0,58% e a mediana de 0,55% do mercado (a LCA reviu a projeção anterior de 0,37% para 0,52%), o Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú manteve a previsão do IPCA de 6,0% em 2023, mas trabalha "nesse momento" com "viés de baixa tendo em vista eventuais reduções de preços na gasolina e gás de botijão no curto prazo. Projetamos 4,5% para o IPCA no próximo ano, incorporando alguma desancoragem nas expectativas de inflação. O anúncio de manutenção da meta no patamar atual poderia levar a uma redução na nossa projeção, assim como uma elevação da meta levar