O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

BC atira oportunidade pela janela

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Publicado em 03/02/2023 às 15:15

Alterado em 03/02/2023 às 15:15

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Quando foi eleito presidente da República pela 1ª vez, Luís Inácio Lula da Silva convidou para ser vice na sua chapa o empresário José Gomes da Silva, fundador da Coteminas, gigante do setor têxtil brasileiro e pôs o banqueiro Henrique Meirelles, que deixara a presidência mundial do Bank of Boston (que seria vendido em seguida) para concorrer (e ser eleito) deputado federal por Goiás. Cabia a Meirelles, junto com o então ministro da Fazenda (“Lexotan”), o médico Antônio Palocci, quebrar expectativas no mercado financeiro.

Mas os juros básicos do Banco Central estavam muito elevados, porque o temor do mercado financeiro com o crescimento da candidatura Lula, desde abril de 2002 encostando em José Serra nas pesquisas eleitorais, fez o dólar disparar (chegou a R$ 4,00 em outubro), quando Lula foi eleito e as Organizações Globo pediram moratória de sua dívida em dólar, e o Banco Central teve de puxar o freio de mão, aumentando a taxa Selic, que é o piso do mercado financeiro, para evitar a fuga de capitais do país.

Durante anos o PT pregou o calote da dívida externa e da interna. A Carta dos Brasileiros, de junho de 2002, não ajudou a aplacar os temores. O sistema de metas da inflação ainda estava engatinhando e a economia desarrumada pela disparada do dólar no ano anterior e pela crise energética de 2001, mas o fato é que, com a calma de Palocci e a determinação de Meirelles, o dólar foi cedendo e o Banco Central mesmo tendo recebido a Selic em 25% ao ano em 1º de janeiro e promovido dois aumentos (para 25,50% em janeiro e 26,50% em março), pode iniciar um processo de baixa em junho, para 26% a.a. e fechar dezembro com a taxa em 16,50 a.a., a menor taxa desde abril de 2001.

À medida que a crise cambial ia cedendo, com ajuda do forte crescimento das exportações de soja, minério de ferro e petróleo para a China, que superaria a União Europeia e os Estados Unidos como destino das exportações brasileiras, com o leque de produtos se ampliando a cada mês, a economia real pedia baixa dos juros e as críticas aos juros altos eram feitas pelo vice, José Alencar Gomes da Silva, que atuava como porta-voz dos empresários. Era ensaiado.

Hoje, quem faz esse papel é o próprio presidente Lula, que tentou emplacar o filho de Alencar, Josué Gomes da Silva, como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Disputas na Fiesp fizeram Josué declinar do convite para continuar à frente da entidade. Mas o Banco Central ganhou independência, por lei do Congresso, em fevereiro de 2021, e o mandato de Roberto Campos Neto (e de alguns diretores) vai até 31 de dezembro de 2024. Em 28 de fevereiro, vence o mandato do diretor de Política Monetária, Bruno Serra Fernandes, a quem estão subordinados o Departamento de Operações Bancárias e meios de pagamento e o Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab, que executa a política monetária no dia a dia) do BC, traçada a cada 45 dias nas reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central.

O Copom se reuniu nesta 3ª e 4ª feira e manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano. O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles afirmou que “o Copom perdeu uma janela de oportunidade para baixar os juros”. Essa expressão é costumeiramente usada pelos que pilotam o Banco Central, quando vislumbram uma oportunidade de baixar os juros brasileiros quando estes estão favorecendo muito a entrada de capitais no Brasil para ganho na arbitragem de juros pagos no Brasil X no exterior. E a maior parte do movimento é feito de capitais de brasileiros em paraísos fiscais. Os bancos centrais dos EUA, da União Europeia e do Reino Unido elevaram os juros esta semana, mas indicaram a tendência da estabilidade para o futuro (a “janela de oportunidade”) descrita por Meirelles.



Meta vazada todos os anos

Sou Flamengo e estou tão preocupado com as finais do Campeonato Mundial de Clubes no Marrocos quanto os economistas ortodoxos com a meta de inflação do Banco Central. [minha preocupação, depois de levar quatro gols do Palmeiras, não é o Real Madri; mas passar, na 3ª feira, por um dos adversários árabes que decidem neste sábado uma vaga para a semifinal]. Já a meta do BC foi vazada em 2021, 2022 (o estouro só não foi maior porque houve baixa eleitoreira dos impostos da gasolina e demais combustíveis, energia elétrica e comunicações). O BC calibrou os juros (13,75%) para uma inflação na casa de 10% (tinha chegado a 12% em abril).

A inflação do IPCA ficou em 5,79% (ou 9,56% segundo o IBGE, sem as baixas eleitoreiras) contra a meta de 3,50% + tolerância de 1,50% = 5,00%). Tende a estourar de novo em 2023. Os governos estaduais e a União estão pressionando pela volta dos impostos baixados para turbinar a reeleição de Jair Bolsonaro. Os governadores já aprovaram a alta do ICMS (tinha baixado para 17/18% naqueles itens, para 20/21%. Não voltam mesmo aos mais de 30% anteriores). E o PIS/Cofins da gasolina e do etanol só está zerado até dia 28.

O Banco Central está num dilema. Como a taxa de inflação é artificial e não há horizonte definido na política fiscal (expansionista, mas não se sabe até quando) ele não tem segurança para os próximos passos. E como é corpo estranho ao governo Lula (que pode, no máximo, influir na indicação do substituto de Bruno Serra), a posição independente de Roberto Campos Neto incomoda a Lula, que, [confiando na análise de economistas como André Lara Resende e Pérsio Arida, de que há espaço para baixar os juros sem repique inflacionário, como defendeu Meirelles], gostaria que a economia tivesse estímulos de crescimento por parte do Banco Central, o presidente não perde a oportunidade de dar estocadas em Campos Neto, a quem tratou como “este cidadão” [corpo estranho a seu governo] em entrevista à Rede TV, quando defendeu alargamento das metas de inflação para afrouxar o garrote dos juros, pois eles nada podem contra a pressão inflacionária do retorno dos impostos.

Havendo reajustes, os preços tendem a dar um susto na inflação de abril. Mas em abril de 2022 foi a 2ª maior taxa mensal (1,06%, superada pelos 1,62% de março, quando houve gigantesco reajuste nos combustíveis que levou Bolsonaro, contrariado com o estrago de suas chances eleitorais a demitir a diretoria da Petrobras e o ministro das Minas e Energia). As apostas no mercado financeiro são disparatadas – dependendo dos reajustes da gasolina e do etanol. O Itaú espera que a taxa mensal do IPCA em abril chegue a 1,35%, o que faria a taxa em 12 meses, que baixaria a 4,5% em março, suba para 4,8% em abril com a previsão de alta de combustíveis.

A Genial Investimentos aposta na continuidade da baixa da inflação, apesar de todas as incertezas: “Em 2023, a inflação em 12 meses terá um comportamento em formato de U. Nos primeiros três meses de 2022, a taxa de inflação superou 1% ao mês (fevereiro, março e abril). Nestes meses, a inflação mensal em 2023 será menor que em 2022. Em abril, o IPCA deverá atingir nível próximo a 4,0% ao ano. Em meados de 2022, tivemos três meses de deflação (julho agosto e setembro), devido à redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Em 2023 estes meses deverão ter inflação positiva, aumentando a inflação anual, que deve fechar 2023 em 6,5%, acima do teto da meta pelo terceiro ano consecutivo”.

A lógica dos argumentos dos que defendem a manutenção a ferro e fogo das metas de inflação, apesar de todas as indicações em contrário, só levam a economia a desacelerar mais. O IBGE divulgou o resultado da pesquisa industrial em dezembro, com crescimento zero, que fez 2022 ficar negativo em 0,7%. O jornal “Valor Econômico”, que sempre valoriza mais a austeridade da política monetária, já trouxe hoje matéria mostrando que os juros altos estão esfriando em demasia a economia e endividando de mais a classe média.

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