
O OUTRO LADO DA MOEDA
BC e MDIC divergem na balança comercial
Publicado em 27/01/2023 às 18:03
Alterado em 27/01/2023 às 18:03

Uma das primeiras tarefas do recriado Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, confiado ao vice-presidente, Geraldo Alkmin, será acertar com o Banco Central uma metodologia comum para a balança comercial. No dia 2 de janeiro, o MDIC publicou em seu site que a balança comercial de 2022 fechou com superávit de US$ 62,3 bilhões. No dia 26, 5ª feira, o Banco Central, que zela pelas contas externas do Balanço de Pagamentos, entre as quais estão as transações comerciais, de serviços e rendas de capitais, divulgou os dados de 2022 com saldo de apenas US$ 44,389 bilhões. Uma diferença, a menor, nada desprezível de US$ 18 bilhões.
O Banco Central fez revisões na metodologia de cálculos do Balanço de Pagamentos, sobretudo na conta de Serviços. Depois de registrar déficit de US$ 20,9 bilhões em 2020, o déficit baixou a US$ 17,1 bilhões em 2021 (conforme anunciado em janeiro de 2022), sob o impacto da pandemia na redução dos gastos em viagens internacionais e aluguel de equipamentos.
Na metade do ano passado o BC revisou os dados e o déficit de serviços inflou para US$ 276,957 bilhões. E em 2022, conforme dados de 26 de janeiro de 2023, a conta aumentou para US$ 39,994 bilhões, quase o dobro dos números de 2020 e mais do que dobrando sobre a avaliação inicial de 2021.
O ex-ministro Mário Henrique Simonsen sempre dizia: “a inflação aleija, mas o balanço de pagamentos mata”. Era um tempo em que o Brasil convivia com poucas reservas cambiais e a balança comercial tinha ficado negativa com o impacto do 1º choque do petróleo, em setembro de 1973. Mesmo agora, quando o país tem mais de US$ 350 bilhões em reservas cambiais e ingresso de capitais que cobrem com folga os déficits em Conta Corrente (balança comercial + serviços e rendas de capitais), é importante ter dados confiáveis.
Saldo do MDIC é 40% inflado
Nas contas do MDIC, o fluxo do comércio exterior está muito inflado em relação às estatísticas do Banco Central, levadas em conta por bancos, organismos internacionais e financiadores do Balanço de Pagamentos brasileiro. Pelos dados do BC, o saldo comercial de US$ 44,489 bilhões em 2022 (os US$ 62,3 bilhões do MDIC estavam 40,3% acima dos dados do BC) mal deu para cobrir o déficit de US$ 39,994 bilhões em Serviços (aumento de 28,3% sobre 2021) e ainda houve déficit de US$ 50,5 bilhões (+31,9%) nas despesas de Capitais.
O resultado foi que o déficit em Conta Corrente aumentou de US$ 46,358 bilhões em 2021 para US$ 55,668 bilhões ano passado. Ainda bem que o Investimento Direto Estrangeiro (IDP) líquido aumentou muito no ano passado (praticamente dobrou dos US$ 46,4 bilhões, em 2021, para US$ 90,6 bilhões em 2022, com acréscimo de 95,3%).
Na prática, a cobertura do Déficit em Conta Corrente pelo IDP que ficou em zero a zero em 2021 (entraram US$ 46,4 bilhões em IDP, valor exato para cobrir o déficit em conta corrente de US$ 46,358 milhões). No ano passado, o Déficit em Conta Corrente (US$ 55,668 bilhões) foi coberto em 162,75%, com folga de 62,75% em relação às necessidades cambiais.
É verdade que o próprio Banco Central, ao reformular suas contas, para seguir novas metodologias do Fundo Monetário Internacional, também corrigiu seus próprios erros. Mas a discrepância das estatísticas pode ter sido a causa do próprio BC ter estimado, no 1º trimestre do ano passado, que a Balança Comercial iria apresentar saldo de US$ 86 bilhões em 2022. Ao ficar em US$ 44,4 bilhões, cresceu sobre os US$ 36,383 bilhões de 2021, mas ficou quase 50% abaixo do previsto (43,37%).
O Copom entre os juros e a inflação
Os Banco Centrais costumam balizar a política monetária (ou seja, a trajetória dos juros básicos da economia, a taxa Selic) em relação à curva da inflação. Quando a inflação do IPCA em 12 meses estava na casa dos 12% ao ano (até maio do ano passado), o Comitê de Política Monetária do Banco Central elevou a taxa Selic até 13,75% na reunião de 3 de agosto. Mas acontece que com as intervenções eleitoreiras do governo Bolsonaro nos preços dos combustíveis, energia elétrica e comunicações, reduzidos basicamente com baixa de impostos (federais e estaduais), a inflação desabou para 5,79%, puxada pela queda de mais de 5% nos preços administrados.
Mas o próprio IBGE revelou que sem a baixa artificial dos preços, o IPCA “sem expurgos” eleitorais seria de 9,56% no ano passado. Qual a inflação do IPCA deve guiar os passos do Banco Central? Tirando os itens Transporte, que caiu 1,29%, sobretudo com a redução dos preços da gasolina, Comunicação, em baixa de 1,02% e a estabilidade de Habitação (+0,07%), todos os demais itens subiram acima de 7%. A Educação ficou 7,48% mais cara; as Despesas Pessoais aumentaram 7,77% e os Artigos de Residência subiram 7,89%. Mas Alimentos e Bebidas subiram 11,64%, mas do que o dobro da inflação e os artigos do Vestuário aumentam 18,02%.
O presidente Lula provocou um auê no mercado financeiro, quando sugeriu que o Banco Central deixasse de lado o “jogo de faz de conta” em relação à meta de inflação, que tende a estourar este ano pelo 3º exercício seguido, mostrando que juro alto não necessariamente freia a inflação, mas trava a economia e dobra as despesas com juros da dívida pública. [na verdade, quem fixa as metas de inflação é o Conselho Monetário Nacional, comandado pelo ministro da Fazenda e que tem o BC como integrante – a composição deve alargar no governo Lula; limitado pelas metas de inflação irreais, o Banco Central leva pau de todo o lado e não consegue apresentar resultados]
A título de ilustração, em 2020, com a baixa dos juros da Selic, os custos de rolagem da dívida somaram T% 312,4 bilhões. Em 2021, a conta subiu para R$ 348,3 bilhões. Já no ano passado, até novembro, os gastos somaram R$ 527,4 bilhões.
Os dados de dezembro serão divulgados pelo Banco Central na 2ª feira, 30 de janeiro, e tudo indica que os gastos ultrapassarão os R$ 550 bilhões. Ou seja, em todo o ano passado o aumento de gastos com juros, transferidos aos rentistas e ao sistema financeiro passa dos R$ 200 bilhões. Bem mais do que a licença para gastar obtida pelo governo Lula acima do teto de gastos do Orçamento. Mas nem por isso houve escândalo ou reclamação.
A proposta de Lula, além de realista, visa reduzir a necessidade de uso “ferrabrás” dos juros, que só têm provocado desaceleração da economia desde o 2º semestre do ano passado (apesar das maquiagens eleitorais de Paulo Guedes) e engordado as contas dos rentistas, tornando mais difícil o redirecionamento dos gastos sociais para as classes menos favorecidas.
Remember Paul Volcker
O ex-banqueiro Luiz Cesar Fernandes tem a mesma opinião de que há irrealismo nas taxas de juros. Ele lembra que “Alan Greenspan deu ao mundo uma regra que ao longo do tempo se mostrou inadequada. Segundo ele, aumentos sucessivos e de pequena monta na taxa de juros seriam capazes de reter a inflação, ao passo que a sua diminuição lenta e constante impulsionaria a economia”.
Mas, no comando do Fed, foi Paul Volcker, sustenta “quem conseguiu manobrar a taxa de juros para conciliar o pleno emprego e uma inflação tendente a zero. Defendendo os interesses dos EUA, ele elevou a taxa em 21%, permitindo que o país crescesse durante 40 anos consecutivos, mas quebrando a maioria dos países emergentes no processo”.
Embora “excelente para os americanos, a política adotada pelo Volcker não deixou de cobrar seu preço. Nem mesmo o porteiro de seu prédio o cumprimentava, o que dirá dos economistas dos países cujas dívidas externas haviam sido alçadas para patamares até então inéditos”.
Já Greenspan, alfineta, um burocrata, esteve “mais preocupado com a própria imagem do que em tomar a decisão arrojada. A conta ficou para o mundo todo na forma da alta da inflação e de um baixo crescimento econômico. Uma lição para os bancos centrais que teimam em insistir nessa política ineficiente”.
Conclusão:
“Por isso, acredito que mesmo se o Roberto Campos trouxer a taxa de juros para 6%, nada acontecerá. A inflação e o crescimento econômico permanecerão iguais”. O parecer leva água para o moinho de Lula.