
O OUTRO LADO DA MOEDA
Americanas deu tombo em todo o Brasil
Publicado em 25/01/2023 às 21:30
Alterado em 25/01/2023 às 23:09

Tão aguardada quanto a lista oficial, com as devidas ramificações, dos gastos e saques do cartão corporativo do ex-presidente Jair Bolsonaro, saiu hoje a lista oficial dos credores das Americanas, com algumas surpresas. A companhia gastou menos em padaria e postos de gasolina que o ex-presidente, atualmente refugiado em Orlando.
A devastadora lista da mais ampla Recuperação Judicial do país, em número de pessoas envolvidas (valores passam de R$ 45 bilhões, a maior parte devida a bancos) vai de A (a paulista Adailda Lago Nepomuceno, que tem a receber R$ 458,07) a Z (de Zilma Pereira dos Santos Campos, credora de R$ 5 mil).
Na maioria dos casos os valores deixaram expostos os bancos, fornecedores e prestadores de serviços. Os bancos terão de fazer provisões para devedores duvidosos (30% do lucro). Os analistas vasculham a lista para mensurar qual o impacto do calote das Americanas na cadeia de fornecedores.
Em muitas cidades do interior as Americanas eram uma fonte de renda para prestadores de serviços no atendimento da manutenção elétrica, de informática e pequenas obras nas instalações. Há nada menos de 14 estados e 233 prefeituras credores de R$ 4,3 milhões da rede. Três dezenas de sindicatos dependem da continuidade da empresa. E vários condomínios dependem da continuidade operacional das lojas dos shoppings e centros comerciais.
Devido à variedade de produtos expostos nas lojas e posterior alavancagem das vendas via internet (“market place”) por muitos anos, o sonho de muito empresário (de pequeno a grande) era entrar para o time de fornecedores das Americanas. Agora, há muita gente perdendo o sono, caso dos donos da Daune Travesseiros de Pena Ltda, com R$ 2,396 milhões a receber.
O calote nos fornecedores
Além dos mais de 40 mil funcionários, que vão continuar recebendo, e terão prioridade na RJ, como todas as dívidas trabalhistas e do INSS, e da proteção aos prestadores de serviços em empresas individuais (MEI), que serão equiparados aos trabalhadores, o que chama atenção nas dívidas com 6.377 fornecedores são os montantes da Samsung, dona do maior crédito contra a Americanas (R$ 1,209 bilhão) e os R$ 259 milhões da Nestlé (a maior fornecedora de alimentos e bebidas lácteas vendidas pela rede varejista).
Como forte canal de escoamento de eletroeletrônicos, brinquedos e utilidades domésticas, além de biscoitos e chocolates (era o maior vendedor de ovos de Páscoa), a Americanas pode fazer grandes estragos em seus fornecedores.
A Mattel tem R$ 154 milhões a receber. A Panini, que representa a Marvel e a Disney, tem créditos de R$ 5 milhões.
No ramo de eletroeletrônicos e celulares, espetou R$ 197,3 milhões na Philco e R$ 22 milhões na Phillips. O Positivo ficou pendurado em R$ 56 milhões, A LG tem a receber de R$ 52,8 milhões. A Apple tomou mordida de R$ 98,6 milhões.
Não era uma Brastemp
A Whirpool, uma das donas da Brastemp, percebeu que as Americanas não eram essa coca-cola toda: tem R$ 43,6 milhões a receber e a Brastemp de Manaus mais R$ 7 milhões.
Pior situação ficaram as concorrentes Mondial (R$ 101,7 milhões) e a Britânia (R$ 97,6 milhões). Ambas vão ter que chacoalhar os liquidificadores e outros produtos para se recuperarem do baque.
O golpe no panetone
Mas o estrago não é só nos ovos de Páscoa, onde além da suíça Nestlé, a mexicana Mondelez ficou com um total de R$ 93 milhões a receber. A turma do panetone, produto que passou a ser consumido no Natal e na Páscoa, sob a liderança da Bauducco, deixou a Pandurata Alimentos, que assumiu a Bauducco, com um total de R$ 96,5 milhões a receber.
Na área de biscoitos e massas, estão em situação pendente com as Americanas a Marilan (R$ 7,4 milhões) e a M.Dias Branco (que opera em todo o Nordeste e comprou a carioca Piraquê, com outros R$ 7 milhões devidos.
Maquiagem borrou higiene e cosméticos
No setor de cosméticos, higiene e limpeza, a maquiagem dos balanços das Americanas pode deixar marcas profundas. A francesa L’Oreal tem R$ 41,2 milhões a receber. A Coty é credora de R$ 30,6 milhões. A Johnson&Johnson tem créditos de R$ 7,9 milhões, a Unilever tem a haver R$ 42 milhões e a Procter& Gamble tem créditos de R$ 53,3 milhões.
Panelaços e facadas
A Tramontina que vende UD nas redes das Americanas pode fazer um panelaço para se queixar da “facada” que pode levar com dívidas de R$ 23,5 milhões, sendo R$ 18 milhões devidos à divisão de cutelaria.
Spy Versus Spy
Além da interligação entre as empresas sob o guarda-chuva das Americanas, uma situação engraçada é que a Ambev, controlada pelo trio com a maior posição (30,13% das ações ordinárias das Americanas (Jorge Paulo Lemann. Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles), é credora de 4 milhões da varejista.
Aliás, o trio emitiu títulos em euros, em Luxemburgo, pela JSM (as iniciais dos donos) no valor de R$ 3,459 bilhões, atualizado em moeda nacional.
Melhor que a situação da Rio de Janeiro Refrescos, engarrafadora da Coca-Cola, com crédito de R$ 1,505 bilhão.
Os que não perdem o sono
No meio da turbulência, alguns credores não chegam a perder o sono. É o caso da Profissional Beleza e Cosméticos Ltda, que tem R$ 10 a receber. Ou do Rei das Paletas, credor de R$ 32,92. Ou ainda do Zé de Teresópolis Comércio de Tintas, com R$ 499,88 a receber.
Calote sai da ficção no meio editorial
Quando as Americanas começaram a expor livros em suas lojas, no final do século passado, muita gente no meio editorial olhou de lado. Quem sofreria mais com a concorrência seriam as livrarias, com as vitrines das Americanas.
E a vidraça se alargou mais com os canais de vendas pela internet da Americanas.com, que reuniam os sites Submarino e Shoptime. Foi um bom filão para a expansão de várias editoras. De outra parte o fenômeno da leitura em e-book agravou o fechamento das livrarias pelo país afora.
Mas o que era bonança para uns, virou tempestade para as 48 editoras e distribuidoras de livros que entraram na lista dos quase 8 mil credores das Americanas, em recuperação judicial desde 19 de janeiro.
A maior vítima de calote é a Catavento Distribuidora de Livros, com R$ 7,685 milhões a receber da Americanas, seguida da Editora Schwarcz, com R$ 7,105 milhões a receber, sendo R$ 5,333 milhões de sua filial Cia das Letras.
O 3º maior credor entre as editoras em papel é a Intrínseca, com R$ 5,934 milhões. A Rocco tem R$ 3,709 milhões, seguido pela parceria da Nova Fronteira (R$ 2,913 milhões) com a Ediouro, que tem a receber pouco menos de R$ 480 mil. A Editora FTD é credora de R$ 2,990 milhões.
Merece destaque ainda a dívida da produção didática, especialmente em arquivos acessíveis pela internet, do conteúdo educacional da Edições SM, que aparece como o 2º credor individual, com R$ 4,705 milhões.