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A nova marcha à ré da Mercedes-Benz

Diante da retração do mercado de automóveis de luxo no país, a matriz alemã decidiu fechar as atividades da fábrica de Iracemópolis, interior de São Paulo

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A alemã Mercedes-Benz, no Brasil desde 1956, quando inaugurou fábrica em São Bernardo do Campo-SP para produzir o caminhão diesel modelo L-132 (depois substituído pelo “cara chata”), acaba de engatar a 2ª marcha à ré em seus 64 anos de Brasil. Diante da retração do mercado de automóveis de luxo no país – este ano foram produzidos até novembro 6.151 unidades de automóveis e furgões leves, contando a produção de dezembro, uma queda de mais de 35% frente às 10.101 unidades produzidas em 2019 -, a matriz alemã decidiu fechar as atividades da fábrica de Iracemópolis, interior de São Paulo.

Inaugurada em 23 de março de 2016, num dos últimos atos com a presença da ex-presidente Dilma, que sofreu impeachment em 16 de abril, a fábrica, que empregava cerca de 400 trabalhadores, repetiu a sina da MB do Brasil de ter seus planos de investimentos frustrados por crises econômicas. A construção da fábrica (que custou R$ 700 milhões, a preços de março de 2016) foi decidida em 2014, quando o Brasil vivia um boom econômico. A meta era produzir 20 mil unidades/ano do sedan Classe C (destinado à classe A).

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Mercedes Sedan Classe C (Foto: Foto; Divulgação)

Sinais trocados

Mas a desvalorização cambial recorde em 2015 e a escalada das tarifas públicas e dos alimentos fizeram o país mergulhar em violenta recessão, que se prolongou em 2016. Assim, a capacidade de produção do modelo sedã Classe C nunca foi atingida. Algo parecido aconteceu na fábrica da MB em Juiz de Fora (MG), projetada no primeiro governo de FHC, para produzir 70 mil unidades/ano do modelo compacto Classe A (apesar do nome, destinado à emergente classe C). Entretanto, o projeto, concebido em 1996, no auge do Plano Real, foi atropelado pela desvalorização da moeda em janeiro de 1999.

Inaugurada depois disso, a fábrica nunca atingiu as metas projetadas. Com cerca de 38% das peças importadas, as metas de vendas para um retraído mercado interno ficaram inviáveis com a perda do poder de compra da classe C. Para não fechar de todo a fábrica, a MB encerrou em 2005 a produção do Classe A para o mercado doméstico, mas passou a destinar parte da produção para os Estados Unidos, compromisso encerrado em 2012.

A unidade de Juiz de Fora foi convertida para a produção de cabines para furgões e vans. Mas, para se ver como o mercado se retraiu com a covid-19, em novembro, incluindo a produção de JF a Mercedes fabricou apenas 563 unidades. Menos 20% que a produção de 710 unidades em fevereiro, antes da pandemia da covid-19 devastar a economia mundial e a brasileira.

Além da fábrica de Juiz de Fora, a Mercedes-Benz mantém a unidade de São Bernardo do Campo (SP), que fabrica caminhões e ônibus. Até novembro a produção de ônibus (chassis e motor, sem carroceria) somou 6.087 unidades, bem à frente da MAN (grupo Volkswagen), com 3.874 unidades. Em caminhões, a disputa é mais apertada, mas, assim como o piloto Lewis Hamilton, a Mercedes-Benz cruzou a linha de chegada até novembro, à frente da MAN: 23.873 unidades, contra 23.163 unidades. A MB ainda pode contabilizar 1.911 veículos leves de carga, saídos de JF.

O dilema da Mercedes-Benz

Não deve ter sido fácil a decisão da MB do Brasil, que desde 1º de julho é presidida por Karl Deppen. Ele sucedeu Philipp Schmier, promovido a CEO AMG da Alemanha. No auge da recessão brasileira, Schmier teve de lutar contra os planos da matriz de fechar parte da fábrica de caminhões no Brasil. Após o boom estimulado pelo moderfrota de 2010-2013, para a substituição dos caminhões antigos, o mercado brasileiro encolheu quase 40%.

A intenção era concentrar na Turquia (uma potência em caminhões pesados) a produção para os países emergentes. Schimier não só contornou o problema, como convenceu os alemães a fazer a fábrica de Iracemópolis, que agora ficará hibernando. A desvalorização cambial mais uma vez atropela os planos da MB no Brasil, na linha de produção de veículos de passeio.

Como mais de metade das peças dos veículos de luxo é importada da Alemanha e o euro valorizou 8,8% diante do dólar e está custando mais de R$ 6, é mais fácil, diante da pandemia, gerenciar a produção diretamente nas fábricas da matriz no território alemão. Se o dólar chegou a subir 43% diante do real, a escalada do euro chegou a superar os 50%.

Foto; Divulgação - Mercedes Sedan Classe C