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Brasil, rei da soja: óleo sobe 94,41% no ano

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Nos anos 80, muito em função da campanha das “Diretas Já”, cuja emenda que restabeleceria o voto direto para presidente (que só veio em 1989, depois da Constituição de 1988) não passou no Congresso, em 1984, o conjunto “Ultraje a Rigor” cantava a música “Inútil” a plenos pulmões, acompanhado pela multidão: “A gente não sabemos escolher presidente; A gente não sabemos tomar conta da gente; A gente não sabemos nem escovar os dente; Tem gringo pensando que nóis é indigente”

Inútil!

A gente somos inútil

Inútil!

A gente somos inútil

Inútil!”

Bradava o refrão. Posso acrescentar agora:

A gente é o maior produtor e exportador de soja, mas não segura os preços do óleo. O óleo de soja subiu 94,41% de janeiro a novembro pelo INPC, o índice de inflação que mede as despesas das famílias com renda até cinco salários mínimos (R$ 5.225). No IPCA, o indicador oficial de inflação do país, que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos (R$ 41.800), a alta foi um pouquinho menor: 94,10%.

Só em novembro, quando a inflação do IPCA, puxada pela alta de 2,54% dos Alimentos e Bebidas (com pressão de 3,33% da alimentação em domicílio) e pela alta de 1,33% nos Transportes, o IPCA subiu 0,89%, na maior elevação para o mês desde 2015. No ano, Alimentação e Bebidas acumula alta de 12,14%. Mas a alimentação em domicílio sobe bem mais: 15,70%. A taxa acumulada da inflação dos alimentos já superou os 12,03% de 2015. Mas dezembro promete bater o recorde.

Os números do IPCA de alimentos em 2020 são impressionantes (diria deprimentes para o país que se gaba de ser o “celeiro do mundo”): o óleo de soja subiu 94,41%, as carnes subiram 13,90%. O arroz aumentou 69,50%. O frango inteiro, 14,02, mais do que alta de 11,39% do frango em pedações, o que contraria a lógica, pois o corte do frango em pedaços exige mais mão de obra. O tomate ficou 76,51% mais caro e a batata-inglesa acumulou alta de 55,90%. Em outra mágica, a refeição fora de casa só aumentou 1,91% no ano.

Nas famílias com renda alta, incluídas no IPCA, o peso dos gastos com Alimentos e Bebidas foi de 20,70%, quase tanto quanto os gastos com transportes, de 19,83%, devido às despesas com automóveis. Mas no INPC, que mede as despesas das famílias de menor renda, o peso do item Alimentos e Bebidas passa de 23,4%. E a alimentação subiu um pouco mais: 2,65% em novembro, acumulando 13,41% no ano. Os alimentos em domicílio acumulam alta de 16,33%. Com alta acumulada de 94,41% o óleo de soja puxa o pelotão da carestia, seguido pelos 68,98% do arroz, os 56,31% da batata-inglesa, os 56,17% dos cereais e leguminosas (onde estão o milho e a soja, produtos agrícolas de maior safra no país). O feijão preto ficou 40,64% mais caro no ano.

Má gestão da subida do dólar é o motivo das altas

O presidente Jair Bolsonaro já tentou culpar o dinheiro na mão das pessoas, proporcionado pelo Auxílio Emergencial de R$ 600 pago a 67 milhões de brasileiras (mulheres chefes do lar recebiam em dobro) pela escalada dos alimentos. Mas o AE foi reduzido em 50%, para R$ 300 a partir de setembro (pagos em outubro e novembro) e a demanda por alimentos caiu, junto com a aprovação do presidente. Só que os preços continuaram a subir.

E o motivo, já cansamos de falar aqui, foi a má gestão do governo quanto ao impacto da escalada do dólar sobre a exportação de alimentos e produtos industriais de uso intensivo de energia. O dólar chegou a subir 43% até outubro (em novembro caiu 11%, reduzindo a alta do ano a 26,7% - hoje a moeda está oscilando em torno de R$ 5,07). Houve exportação em massa de produtos agrícolas. A seca afetou a produção de arroz no Rio Grande do Sul (o produto acumula alta de 61,83% no estado), mas as maiores altas foram em Fortaleza (81,38%) e em Brasília (65,76%).

Mas, paradoxo dos paradoxos, o Brasil, que há mais de 15 anos superou os Estados Unidos como maior exportador de soja do mundo (eles produzem mais, mas dão prioridade ao mercado interno e exportam os excedentes), acabou de importar soja dos EUA. Há 30 anos não entrava um navio com carga de soja no porto, que é o maior exportador brasileiro da oleaginosa. Outras cargas vieram em maior quantidade do Paraguai (produção maciça de brasilguaios) e do Uruguai.

A gente é o maior exportador de carne bovina do mundo, mas não segura os preços da carne. Pelo INPC, a alta da carne foi mais alta ainda pelas famílias que consomem cortes aparentemente mais baratos (do dianteiro do boi). Entretanto, os supermercados e açougues se aproveitam da diferença entre as carnes de 1ª e 2ª para puxar mais para cima os preços da de 2ª. Na média, as carnes subiram 15,14% no INPC. A maior alta foi em Rio Branco (capital do Acre), com aumento de 34,62%. Salvador veio a seguir, com alta de 26,19%. Campo Grande (MS), capital de um dos maiores estados produtores do país prova que em “casa de ferreiro, espeto é de pau”: teve alta de 24,69% no ano. Só as queimadas do Pantanal, somadas à escalada das exportações, podem explicar o fato.

Ilha da fantasia, carne sobe só 9,98% em Brasília

A crônica política classifica Brasília como uma espécie de “ilha da fantasia”, alheia à dura realidade por que passa o país. A alta acumulada de apenas 9,98% da carne no Distrito Federal, na pesquisa do INPC de novembro apurada pelo IBGE, estende a visão para a economia. Embora a alta de 100,29% no óleo de soja pelo INPC e de 65,76% no arroz pareçam desmentir a máxima, o estranho comportamento contido do preço da carne (subiu 9,98% no INPC e 11,71% no IPCA do DF, menos que os 13,83% de São Paulo, os 13,65% de Belo Horizonte e os 14,02% de Goiânia). A a carne é o alimento de maior peso no INPC e no IPCA.

Lembro no tempo em que o índice da inflação, calculado pela Fundação Getúlio Vargas, através do IGP-DI, um índice composto no qual os preços no atacado (agrícolas e industriais) tinham peso de 60% e os preços ao consumidor (calculados só no Rio de Janeiro – hoje a FGV apura o IPC para seus índices compostos, o IGP-DI e o IGP-M, em diversas capitais) pesavam 30%, o ministro da Fazenda, Delfim Neto, controlava (e pressionava) os donos de supermercados do Rio para manterem os preços baixos. Sobretudo da carne, arroz e feijão. Aparentemente, isso hoje só ocorre no DF.

Gestão da energia, outra falha

Vejam o que aconteceu com a energia. Em plena pandemia, com paralisação de muitas fábricas, a Aneel, decretou, em junho, que a bandeira verde vigoraria nas contas de energia elétrica até 31 de dezembro. Mas, com a escalada do dólar, muitas fábricas produtoras de bens de alto consumo de energia (eletro-intensivos, como alumínio, cobre, aço, celulose e petroquímicos) viram na exportação uma boa oportunidade de lucro. Com o custo da energia congelado e o dólar alto, que barrava a concorrência chinesa, era ganho certo.

O aumento do consumo deveria ter acendido a luz amarela na Aneel e no ONS. O uso abusivo das águas dos reservatórios das usinas do Centro-Oeste e do Sudeste deixaram as represas com níveis baixíssimos, na faixa de 17%. Resultado do não uso das termelétricas (de custo de KW mais caro) para economizar água: de supetão, no dia seguinte ao 2º turno das eleições municipais, a Aneel anunciou Bandeira vermelha nível 2 (acréscimo de R$ 6,24 a cada 100 KW consumido), sem passar pelas bandeiras amarela e vermelha 1.

Um choque elétrico decorrente de má gestão. Os indicadores de mercado estavam tão aquecidos que a CSN, com pedidos firmes até abril de 2021, decidiu reativar em novembro o alto forno 2 de Volta Redonda, desligado em maio. Os picos de consumo de energia elétrica eram percebidos pelos especialistas desde julho. No caso dos produtos eletro-intensivos, esses técnicos brincam chamando-os de “energia empacotada”. Só os técnicos da Aneel e do Ministério das Minas e Energia não notaram.

O ministro Bento Albuquerque garante que não haverá necessidade de racionamento. Tomara que São Pedro atenda às suas preces e faça chover nas áreas das bacias hidrográfica do CO e do SE. A falta de chuvas no Sul e no Centro Oeste está tendo outro efeito colateral grave: as safras de soja e milho para 2020/2021 estão tendo de ser replantadas. Por falta de chuvas, os grãos “cozinharam” no solo quente e não houve germinação e crescimento no tempo certo. Isso implica novos gastos com sementes, combustíveis para tratores e mão de obra. Com o risco de atraso nas colheitas e nas safras seguintes: o milho safrinha e o algodão, plantados após a colheita da soja.

Alta do INPC muda Salário Mínimo e OGU
O impacto da alta do INPC, que deve fechar o ano entre 4,5% e 5%, vai elevar o valor do salário em 2021 e mexer em todos os parâmetros do Orçamento Geral da União, ainda não votado pelo Congresso. Baseado numa alta de 4,02% para o INPC, o governo estimou o salário mínimo em R$ 1.087. Com 4,5% subiria para R$ 1.092,25. Se chegar a 4,8%, passaria a R$ 1.144. Uma senhora diferença.

As maiores altas de alimentos no ano

Macaque in the trees
Fonte IBGE (Foto: Reprodução)

Reprodução - Fonte IBGE