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Tem presidente que é cego...

Quando era presidente, Dilma abusava da técnica da narrativa do PT. É a velha tática de quem está no Poder querer escrever a própria história

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Quando era presidente, Dilma abusava da técnica da narrativa do PT. É a velha tática de quem está no Poder querer escrever a própria história. O que não está longe da realidade, pois dificilmente passa à História a versão dos derrotados nas guerras ou de quem não ganhou disputas eleitorais pelo Poder. Lembro que no velho JORNAL DO BRASIL da Av. Brasil 500, tinha um cartaz do já extinto “Prêmio Esso” com o slogan: “A História é escrita pelos vencedores”. Um gaiato emendou o C para D e ficou “A História é escrita pelos vendedores”...

De fato, há quem venda tão bem suas versões (mesmo “fakes”), que muitos acreditam. Vejam o resultado final das eleições americanas: o Democrata Joe Biden teve 79,894 milhões de votos, com vantagem de 6,027 milhões de votos sobre os 73,777 milhões do Republicano Trump, com margem de 306 delegados democratas X 232 republicanos. Mas Trump insiste que sua derrota foi causada por uma fraude. Queria o genocídio, com o afluxo de eleitores provocando um repique muito maior do que a média de 171.376 casos por dia, na semana passada, um aumento de 54% em relação à média de duas semanas (ou seja, o fim de semana eleitoral)? Claro que a tática de Trump era esperar comparecimento bem maior dos republicanos (que se recusam a usar máscaras) do que dos mais precavidos democratas. A covid-19 o derrotou.

Donald Trump, quando percebeu que ia ser derrotado pelo efeito da covid-19 (que disse ser uma “gripezinha”, um “vírus minúsculo, incapaz de enfrentar o poderio americano”, tratou de construir a narrativa “fake” de que os votos antecipados ou pelo correio eram fraudulentos. Com os votos maciços dos eleitores republicanos sendo nas urnas, em 3 de novembro, as pesquisas de boca de urna iam confirmar a sua “proclamação de vitória”. Só que não. Os fatos estão mostrando que “fake” era toda a sua argumentação prévia e a posteriori. Tão “fake” quanto o cabelo tinto do advogado Rudolph Giulianni...

No humorístico “Viva o Gordo”, nos anos 80, na TV Globo, Jô Soares interpretava um pai coruja que se gabava das peripécias do filho, que dava na pinta de ser gay, mas o pai se recusava a perceber, a cada aparte de um amigo. O quadro, politicamente incorreto para os tempos atuais, se aplica claramente à teimosia do presidente Bolsonaro em interpretar os fatos. Ele sempre cria uma versão fantasiosa.

A última, para a inexplicável disparada dos preços dos alimentos, no ano em que o Brasil produziu a maior safra agropecuária da história, foi atribuir o fato à pandemia. Ou ao isolamento social que manteve as pessoas em casa e evitou uma curva mais rápida do contágio e o caos na rede hospitalar. Como muita gente perdeu emprego (e quem não tinha emprego regular também foi receber o Auxílio Emergencial de R$ 600), ele diz que a demanda por alimentos de quem ficou em casa gerou a escalada dos alimentos. Que versão mais furada...

Bolsonaro ignora alta de 34,8% do dólar sobre alimentos

Se voltasse a colher informações no “Posto Ipiranga”, em vez de disparar sandices, o presidente levaria em conta que o maior impulso para a alta da soja (e seus derivados, como o óleo e as margarinas), do milho e seus derivados, do açúcar, do café e das carnes bovina e de frango (engordado com ração à base de milho e soja) foi a desvalorização do real, que estimulou as exportações.

O real foi a moeda que mais desvalorizou até outubro diante do dólar. Entre outros motivos, pela descoordenação do governo federal no enfrentamento da pandemia que contagiou mais de 6 milhões de brasileiros, com 170 mil mortos. Semana passada, o dólar caiu em todo o mundo. Hoje voltou a subir 0,88% contra o real. Como fechou 2019 a R$ 4,0307 e hoje fechou a R$ 5,433 (após ter ido a R$ 5,45) o dólar acumula alta de 34,8% este ano.

Foi muito mais o impulso das fortes exportações que esgotaram os estoques reguladores de soja e milho, comparado à demanda doméstica (que não foi tão maior do que se todos estivessem trabalhando normalmente sem covid-19, pois, afinal, todos teriam de almoçar e/ou jantar em casa ou na rua) com o empuxo de renda do Auxílio Emergencial, que pressionou a alta dos alimentos.

Soja subiu 47% e arroz, 59%

No IPCA (mede os gastos das famílias com renda até 40 salários mínimos – R$ 41,800), enquanto a inflação acumulou 2,2% até outubro, a Alimentação e Bebidas subiu 9,37%. Cereais e leguminosas (entre elas a soja) subiram 47,5%, o arroz, que teve quebra de safra, subiu 59,48% (porque o governo demorou a autorizar importações, caras com o dólar). No INPC, para famílias com renda até cinco mínimos (R$ 5.225) a inflação foi maior (2,95% em 10 meses), com a alta da alimentação (que pesa mais no bolso dos mais pobres) chegando a 10,49%, com alta de 48,76% em cereais. O arroz subiu 59% no INPC, bem mais que os 37% do feijão preto, ou os 33% do mulatinho.

E isso foi causado por um tremendo erro de gestão do governo Bolsonaro. Ao cumprirem, ao extremo, a filosofia de livre mercado, os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Teresa Cristina, erraram feio. Houve tanta exportação que, para evitar alta maior do milho e soja (ingredientes das rações de aves, suínos, vacas de leite e até para Pets), o governo teve de zerar alíquotas para importação de soja, arroz e feijão.

A balança comercial semanal, divulgada hoje pelo governo mostrou queda de 64% na exportação de soja nas três primeiras semanas de novembro comparada ao mesmo período do ano passado. Causa? Zeragem dos estoques anteriores pela exportação desenfreada. Sem estoques reguladores, com o dólar em disparada e o consumo firme, industriais (produtores de óleo de soja, margarinas, rações e derivados) e atravessadores embarcaram na onda especulativa e os seguidores de Bolsonaro não param de lhe cobrar, semanalmente, a alta dos alimentos...

Há trabalho agrícola sem ser ao ar livre?

Pior foi a tentativa do presidente de se escorar nos trabalhadores do agronegócio para sustentar sua tese de que a recessão se agravou pelo isolamento social. Bolsonaro louvou “a coragem” dos homens do agronegócio, que não ficaram trancados em casa e foram garantir o abastecimento”.

Trata-se de um completo disparate comparar a natureza do trabalho na agropecuária – essencialmente ao ar livre – com as atividades nas fábricas, no comércio e nos setores de serviço (essencialmente em ambientes fechados. O agricultor, faça sol, frio, chuva ou neve, sempre saiu a campo para cuidar do gado, das lavouras, das hortas, dos pomares.

É da essência da lida no campo o trabalho ao ar livre, que pode dispensar o uso das máscaras (como se faz nas praias ou outros ambientes abertos), diferente de um shopping, um supermercado, restaurante ou churrascaria, em ambiente mais fechado, no qual é total irresponsabilidade para com o próximo não usar máscaras. Não dá para comparar o trabalho na lavoura no Centro-Oeste com o trabalho nas repartições de Brasília.

Brasília tem o pior índice de mortos por habitantes

Mas o desprezo pelo uso de máscaras em Brasília, propagandeado pelo presidente Bolsonaro, faz o DF ter a maior taxa de óbitos por 100 mil habitantes do país: 128,2.

Quando se comparam as curvas de contágio e mortes nos estados agrícolas do Brasil (os do Centro-Oeste, o Paraná e Minas Gerais e Bahia), fica evidente que a curva do contágio da doença foi tardia, mas não fugiu ao padrão. Foi lenta enquanto se acelerava no 2º trimestre no Rio de Janeiro, São Paulo e nos estados do Nordeste sujeitos à troca de vírus com turistas estrangeiros.

Disparou no período de comercialização da safra, a partir de maio, quando caminhoneiros de vários cantos do país (sem a devida testagem) trouxeram o vírus ao transportar a produção de soja, milho e algodão das regiões.

Minas Gerais, que tem a 2ª população do país e mais de 850 municípios, já superou o Ceará em mortes (9.777 contra 9.485) e a Bahia (4º estado mais populoso, já se aproxima de Pernambuco (8.102 mortes contra 8.935) segundo dados até o dia 22 de novembro. Ou seja, usar máscara e fazer profilaxia do sabão e álcool em gel são a melhor proteção enquanto a vacina não vem.