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Agro é tudo: campeão de produção e de inflação

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“O Agro é tec, o agro é pop, o agro é tudo”, diz a propaganda institucional, ufanista, da Rede Globo, que tem a dupla intenção de celebrar os recordes da produção agrícola nacional (e a cada filme focaliza uma atividade agrícola), emulando os grandes, pequenos e médios produtores nacionais. Isso é justo.

O país era, desde o Brasil-Colônia, e continua a ser o maior produtor e exportador de açúcar e café (deixou de ser o líder do cacau nos anos 90, quando a praga da vassoura de bruxa dizimou mais de 70% da lavoura no Sul da Bahia, sabotagem confessa de um líder sindical petista, que trouxe a praga de Rondônia). O Brasil virou líder na exportação de suco de laranja, de soja (perde em produção para os EUA), de carne bovina, em celulose de eucalipto, em fumo, em segundo exportador de milho e de algodão (plantados em rotação imediatamente após a colheita da soja. Graças à abundância de soja e milho (ingredientes básicos das rações animais), o Brasil virou o maior exportador de carne de frango e um dos quatro maiores de carne suína.

Mas quando chegam as imagens dos anunciantes - um banco ligado ao financiamento da safra (o atual é o Bradesco); ou uma pick-up (a da vez é a Ranger, da Ford, como já foram a S-10, da GM, e a Amarok, da VW, todas ligadas à lida do campo) - nota-se a intenção clara de estimular suas vendas, com os ganhos obtidos na comercialização das colheitas.

A produção elevada do Brasil não decorre só do fato de ser o quinto país do mundo em extensão territorial (8,51 milhões de km2) e o quinto em população (212 milhões), que só perde em extensão de área cultivada para a agricultura para os Estados Unidos (que tem 9,37 milhões de km2 de território para uma população de 319 milhões e uma área cultivada para a agricultura de 167,8 milhões de hectares, ou 18,3% do território).

Conseguimos a liderança, com alta produtividade, sobretudo com as pesquisas de cultivares adaptados ao cerrado do Planalto Central, hoje o grande celeiro do Brasil, e o uso de menos de 10% do território para a agricultura (e pecuária). Pena que a ação devastadora de grileiros e fazendeiros que querem expandir suas áreas em cima de florestas prejudique tanto a imagem ambiental do Brasil e já afeta produtos saídos de áreas tão distante da Amazônia ou do Pantanal,i

Ontem, CNA informou: PIB do agro cresceu 5,26% no 1º semestre

Ainda ontem, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) informaram que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio cresceu 5,26% no primeiro semestre de 2020 na comparação com o mesmo período de 2019. O Conceito de agronegócio da CNA e do Cepea é bem mais largo que o utilizado pelo IBGE nas Contas Nacionais (trimestrais e anuais) para calcular a contribuição dos diversos setores na formação do Produto Interno Bruto (PIB).

O IBGE mede apenas o valor da produção (quantidade X preços, deflacionados) da produção agrícola e da pecuária. A CNA/Cepea relaciona todos os produtos (insumos) que contribuem para a produção agrícola (de adubos/fertilizantes a defensivos e medicamentos), além de máquinas e ferramentas usadas nas lavouras e na pecuária (considerada a produção primária), bem como os serviços ligados ao agronegócio (transporte e armazenamento de safras, por exemplo) e a agroindústria de transformação.

Por isso, em vez do PIB agrícola responder apenas por 5% do PIB anual, na contabilidade do IBGE, na visão da CNA/CPA é quase o dobro, pois contabiliza a transformação da cana de açúcar em etanol ou açúcar, ou o café beneficiado na indústria de torrefação e moagem e o suco de laranja, além da soja e milho, ou algodão (na sua transformação após a saída das porteiras das lavouras como agroindústria) como parte do PIB do agronegócio. No IBGE, transporte e armazenagem e serviços de telecomunicações e energia, são contabilizados no segmento de serviços (que inclui o comércio e as atividades financeiras e de seguros, além das imobiliárias) e respondem por 73% do PIB. Já a agroindústria faz parte do PIB Industrial.

Segundo o release da CNA/Cepea “o principal destaque foi o segmento primário (dentro da porteira), com variação de 14,91% no acumulado de janeiro a junho, seguido por serviços (4,76%) e insumos (1,69%). A agroindústria foi o único elo com queda no período, de 0,76%, sendo o segmento mais afetado pela pandemia da Covid-19”. O documento destaca ainda que “pelo lado da oferta, a volumosa safra de grãos tem garantido atendimento à crescente demanda internacional pelos produtos do agronegócio brasileiro, impulsionada também pela desvalorização do real frente ao dólar”. Que foi de quase 30%.

Restringindo o universo produtivo exclusivamente da porteira para dentro (agricultura e pecuária, como calcula o IBGE) “o PIB agrícola teve alta de 2,93% nos primeiros seis meses do ano, puxada pela atividade primária”. Para as duas entidades, “o excelente resultado do segmento primário agrícola reflete os preços maiores de janeiro a junho de 2020, frente ao mesmo período de 2019, a expectativa de maior produção na safra atual com recorde em grãos e crescimento destacado de produtos como café e laranja”. A atividade pecuária teve expansão de 10,41% de janeiro a junho, em relação ao primeiro semestre de 2019, reflexo também dos bons preços das proteínas animais.

Na falta de gestão, alimentos disparam em estados produtores

O outro lado da moeda (nome desta coluna) é que, apesar da grande produção agrícola, por falta de eficiente gestão de estoques reguladores (praticamente abandonados em nome de um liberalismo extremo), o governo deixou que a disparada do dólar (mais de 39% até ontem, quando roçou os R$ 6 e fechou a R$ 5,5864) contaminasse os preços dos alimentos este ano, sobretudo aqueles altamente transacionáveis no mercado externo.

De acordo com o IPCA-15, divulgado hoje (23.09) pelo IBGE, a prévia do IPCA cheio de setembro, com alta de 1,96% (contra 0,61% em agosto), nos alimentos para consumo no domicílio, o grupo Alimentação e Bebidas, o que mais pesa no IPCA, subiu 1,48% e elevou a taxa de inflação em 0,45% em setembro (0,23% em agosto), na maior taxa registrada para o mês desde 2012. Em setembro do ano passado a taxa foi de apenas 0,09%.

Em 2020, o IPCA já acumula alta de 1,35% e, nos últimos 12 meses, a variação chega 2,65% (2,28% nos 12 meses até agosto). No ano, o item Alimentação e Bebidas acumula alta recorde de 7,35% e subiu 9,93% em 12 meses. Devido a seu alto peso nas despesas familiares, a alta de 3,42% nas carnes em setembro, respondeu por 0,09 p.p. no IPCA-15 de 0,45% em setembro.

Isoladamente, a maior alta foi do tomate (22,53%), após queda de 4,20% em agosto. Mas o excesso de exportações de soja, com preços acompanhando as cotações internacionais em dólar (35% mais caras), levaram a uma alta média de 20,33% no óleo de soja (o mais usado nas frituras), de 9,96% no arroz e de 5,59% no leite longa vida. Tudo poderia ser evitado se o governo tivesse mantido estoques reguladores. Na alta do dólar, os produtores e comerciantes trataram de vender a safra ou equiparam os preços domésticos ao mercado externo (em dólar). Assim, o óleo de soja acumulou alta de 34,94% no óleo de soja, de 28,05% no arroz (o produto importado ficou caro, mesmo com isenção de imposto de importação) e o leite em pó encareceu 27,33%.

Como sempre há oscilações para cima e para baixo nos preços dos produtos agrícolas, conforme a safra, alguns produtores reduziram os preços, mas em volume insuficiente para neutralizar a escalada geral: casos da cebola (-19,09%), do alho (-11,90%) e da batata-inglesa (-8,20%).

É interessante notar que o IBGE não coleta preços para o consumidor em Cuiabá, capital do Mato Grosso, que responde por 40% da produção de soja e milho do Brasil, além da liderança em algodão e carne bovina. Mas celeiros do Brasil, como o Paraná, não ficaram imunes à escalada de preços. Em Goiânia, vizinho a MT, os óleos e gorduras vegetais (que incluem o óleo de soja) acumularam alta de 32,48% até setembro. Em Brasília, a alta foi um pouco menor, de 23,26%, mas em Curitiba, capital do 2º maior produtor, os óleos e gorduras ficaram 27,30% mais caros este ano.

A carne, subiu 5,92% até setembro na média do Brasil, mas regiões tradicionalmente produtoras como Porto Alegre (RS) tiveram alta de 4,97%. Nada se compara, porém, à disparada de 18,42% de janeiro a setembro em Salvador (BA), sendo só em setembro, de 5,94, e dos 11,84$ de alta acumulada em Recife (4,03% 4m setembro). Goiânia, que acumula alta de 4,20% no ano, teve em setembro um aumento superior a isso: 4,83%.