ASSINE
search button

Século XX

Reprodução -
A Morte de Sardanapalo, 1827, pintura a óleo de Delacroix
Compartilhar

Imagino que todos que leem esta coluna gostem de Beethoven. Mas a unanimidade acaba quando se fala nos compositores do século XX. Quantas pessoas não fecham as caras e ouvidos quando a música é, por exemplo, de Schoenberg? Seria Schoenberg um compositor menor e menos talentoso do que Beethoven? Não creio.

Façamos a seguinte analogia: você, que ama Beethoven, deve conhecer muitas pessoas que não gostam de música clássica e deve saber o quão difícil é fazer um adulto que nunca teve muito “contato” com essa música gostar de Beethoven. Gostar de algo exige que se entenda, que se tenha adquirido familiaridade suficiente para poder apreciar ou não, gostamos de algo porque aprendemos, seja lá o que for, ao longo dos anos, os sons que vão entrando nos nossos ouvidos quando somos ainda crianças. Não gostamos do que não conseguimos entender, como um som completamente diferente. Uma outra analogia: ninguém gosta do primeiro gole de cerveja, do primeiro trago de cigarro. Tem músicas que valem a pena insistir, como uma boa cerveja. Outras são como cigarros, fazem mal mesmo. No entanto, com tudo se acostuma e até se vicia. Gosta-se até de músicas “ruins”. Eu, que não sou muito chegada a Chitãozinho e Xororó, por exemplo, imagino que se tivesse crescido ouvindo este gênero de música, hoje não estaria escrevendo sobre música clássica e sim sobre música sertaneja.

Não se gosta tanto de Schoenberg porque não se ouviu suficientemente sua música, não se acostumou a ouvir a escala que o compositor usou, a escala de 12 notas em vez das escalas tonais. Beethoven escreveu sua música com as escalas maiores e menores, que estão enfronhadas em nosso sangue. Quando cantamos, por exemplo “Cai, Cai, Balão”, cantamos numa escala maior (e, ainda que não saibamos que estamos cantando num tom maior, assim é). Ou seja, desde criança aprendemos a cantar nas escalas maiores e menores.

Schoenberg e muitos outros compositores que revolucionaram a música no século XX romperam com a música anterior, ao não enfatizarem as escalas maiores e menores, na tentativa de criar algo novo. No entanto, o que vemos ainda hoje é uma completa resistência a abandonar a tonalidade e a apreciar músicas atonais. Uma completa resistência a ouvir Schoenberg. Quantos concertos deste compositor há no Brasil? No ano passado, creio que não houve aqui qualquer concerto com músicas deste que é um dos maiores compositores do século passado. Há nos tempos atuais uma resistência a qualquer coisa nova. Sempre foi assim, mas estamos exagerando! Não à toa compositores como Philip Glass, por exemplo, fazem tanto sucesso. Glass, especificamente, é capaz de repetir milhares de vezes DÓ-MI-SOL-MI-DÓ dentro da escala maior de dó por exemplo, enfatizando as escalas maiores e menores a um ponto quase hipnótico. Talvez aí resida algum mérito do compositor minimalista.

A impressão que tenho é que nas artes plásticas a evolução do figurativo do século XIX e dos séculos anteriores para a pintura abstrata foi mais aceitável do que a da música clássica para a música moderna. Pintores da época de Beethoven, como Goya, Delacroix, Caspar David Friedrich etc, são tão apreciados quanto os mais abstratos do século XX. Kandinsky, um dos pioneiros da arte abstrata, que foi inclusive amigo de Schoenberg, é exaltado e apreciado em todos os museus mundo afora.

Macaque in the trees
A Morte de Sardanapalo, 1827, pintura a óleo de Delacroix (Foto: Reprodução)

Em 1911 Kandinsky foi a um concerto em Munique e escutou os quartetos nº1 e nº 2 de Schoenberg e tão impressionado ficou com a música, que escreveu uma carta ao compositor, iniciando a partir daí uma longa amizade. O pintor viu na música de Schoenberg um análogo com as suas próprias ideias a respeito de pintar, e achou na música atonal, aparentemente sem nexo para alguns, inspiração para suas obras abstratas.

Macaque in the trees
Composição VII, 1913, pintura a óleo de Kandinsky (Foto: Reprodução)

A questão é: por que há centenas de museus com pinturas abstratas e seus pintores são considerados os maiores gênios do século XX, enquanto Schoenberg, apesar de ser considerado gênio por alguns poucos, tem, a cada dia que passa, menos ouvintes? No ano passado, no Brasil, não houve um concerto sequer com música de um dos maiores compositores do século XX. E isso tudo porque muitos ainda estão viciados na música tonal e resistentes a sequer abrir os ouvidos para sons que aparentemente não têm lógica. Mas como têm! Um mundo novo se abre a quem tiver interesse em conhecer a música aparentemente sem sentido dos compositores atonais.

Reprodução - Composição VII, 1913, pintura a óleo de Kandinsky
Tags:

coluna | m?sica | mariana