ASSINE
search button

Afinal, o transporte sob demanda é viável?

Compartilhar

Semana passada, a Lyft deu entrada em um pedido de abertura de capital nos EUA, tornando-se a primeira startup de transporte sob demanda a fazê-lo. A atitude já era esperada para 2019 e é uma prévia de outro IPO ainda mais aguardado para este ano, do Uber. As empresas do setor estão entre as mais valiosas no ranking de unicórnios (aqueles com valuation igual ou superior a US$ 1 bilhão). Segundo a consultoria CB Insights, entre as 20 primeiras, cinco são do ramo: além de Lyft e Uber, a chinesa Didi Chuxing, a Grab, de Cingapura, e a Go-Jek, da Indonésia, todas avaliadas em mais de US$ 10 bilhões. Porém, apesar dos altos valores de mercado, uma análise nos relatórios destas companhias deixa dúvidas em relação à viabilidade financeira das mesmas.

Para começar, como são empresas de capital fechado, ter acesso aos números não é tarefa fácil, pois não há obrigatoriedade de tornar as informações públicas. Mas, quando se entra com pedido de IPO, a transparência vem junta no pacote. No caso da Lyft, que atua apenas nos EUA, o crescimento do número de clientes e receita de fato chamam a atenção. No último trimestre de 2018, foram 18,6 milhões de usuários, 182% a mais que dois anos antes; já a receita dobrou ano passado, chegando a US$2,2 bilhões. Entretanto, como os custos também aumentaram, a empresa teve perdas de US$ 911 milhões, 32% a mais que em 2017. Se considerarmos que a Lyft gerou US$8,1 bilhões em corridas em 2018 (sim, US$ 5,9 bilhões foram para os motoristas), ter um prejuízo de quase um bilhão de dólares acende um sinal de alerta sobre o modelo de negócios. A própria companhia deixou claro que custos e despesas devem crescer ainda mais nos próximos anos, resultando em perdas contínuas pelo menos no curto prazo. Isto, porém, não deve prejudicar o IPO, tanto que o valuation esperado é entre US$ 20 bilhões e US$ 25 bilhões.

Já o Uber apresenta perdas ainda maiores, até por ser um player global. Mesmo sendo privada, a empresa divulga seus resultados normalmente para o público, já de olho em uma futura listagem na Bolsa. Em 2018, o prejuízo foi de US$ 1,8 bilhão - é justo ressaltar que houve queda de 15% no mesmo em relação ao ano anterior. Porém, como a receita no período cresceu 43%, para US$ 11,3 bilhões, a expectativa para o IPO é enorme e projeções apontam que o valor de mercado pode chegar a incríveis US$120 bilhões, o que faria da operação a maior desde o Alibaba, em 2014. Didi Chuxing, Grab e Go-Jek, apesar de não divulgarem suas finanças, segundo informações, também têm prejuízo em suas unidades de transporte sob demanda.

Mas então, como companhias que estão no vermelho são tão bem avaliadas? Em primeiro lugar, quando se trata de IPOs de empresas de tecnologia não tradicionais, taxas de crescimento consideráveis de receita e usuários têm peso maior que os prejuízos. Depois, o número de empresas que perdem dinheiro listando ações tem batido recordes: segundo um estudo da Universidade da Flórida, nos nove primeiros meses de 2018, 83% das listadas nos EUA tiveram prejuízo nos 12 meses anteriores à operação, percentual maior até que na época da bolha da internet, no início dos anos 2000. O problema vem quando a empolgação dá lugar à cruel realidade dos fatos e o valor das ações despenca, como aconteceu com Snap, Dropbox e tantas outras.

Para evitar isto, as startups de transporte sob demanda apostam na diversificação. Lyft e Uber, por exemplo, possuem outros veículos em suas plataformas, como bicicletas e patinetes, e estão experimentando até a venda de tickets de transporte público. O Uber também tem um serviço de entrega de refeições. Grab e Go-Jek oferecem serviços financeiros. E todas apostam que, no futuro, os carros autônomos vão conseguir livra-las de seu maior custo: os motoristas. Mas como isto vai demorar a acontecer, resta saber se os investidores terão paciência para esperar tanto tempo pela tão sonhada lucratividade.