O ano começou e chegou a hora de arregaçar as mangas (ou afinar os instrumentos) em busca dos objetivos traçados. Durante a semana, pesquisei referências que trouxessem, através de seu som, toda a energia, a força e o improviso necessários para o 2019 que vem pela frente. Quando me deparei com a ferocidade do saxofone de Melissa Aldana, minha inspiração atingiu o mais alto patamar.
A música de Melissa Aldana (foto) não chega a ser uma novidade para mim. Venho acompanhando seu trabalho desde o primeiro disco “Free fall” (2010 – Inner Circle) e posteriormente por meio do Crash Trio, que reúne o baterista cubano Francisco Mela e o baixista chileno Pablo Menares, amigo de longa data. Natural de Santiago, a saxofonista de 30 anos, radicada em Nova York há mais de uma década, ganhou seu espaço com muito talento e dedicação, em um cenário predominado, majoritariamente, pelos homens. Não é à toa que Melissa foi a primeira mulher da América do Sul a vencer o Thelonious Monk International Jazz Competition, em 2013.
No ano passado, Melissa esteve no Brasil em uma turnê de shows no Sesc em São Paulo, além de uma apresentação incrível no Blue Note Rio. Nesta ocasião, tivemos a oportunidade de conversar e constatei que, por trás do poderoso saxofone, existe uma jovem simpática, atenciosa e visivelmente apaixonada pelo que faz. Chama a atenção a sua alternância de graves e agudos, que me remete - sem nenhum exagero - ao mestre Sonny Rollins.
Uma destas apresentações no Sesc, feita na companhia de Pablo Menares, do baterista Tommy Crane e do excepcional pianista Sam Harris, foi transformada em um disco ao vivo, por meio do projeto “Sesc Jazz”, lançada nas plataformas digitais ao final do ano passado.
O disco possui sete faixas, em que a maioria dos temas é composta por Melissa, em suítes que amplamente demonstram emoções e profundidade, além de uma interessante tensão harmônica e rítmica, confortável para improvisos no melhor do bebop. No topo das minhas preferências ficaram a balada “Never let me go” e a sequência que homenageia Frida Kahlo “La madrina” e “Visions for Frida Kahlo”.
Neste final de semana, disposto a saber mais sobre sua inspiração e admiração pela pintora mexicana, estive, novamente, em contato com a saxofonista, que se encontrava em Nova York para apresentação no festival de inverno. Melissa contou como começou sua conexão com a artista: “Decidi criar algumas composições para Frida enquanto me apresentava no Jazz Gallery, em Nova York. A maneira de transmitir suas emoções através da arte, apesar de toda as limitações físicas, sempre me encantou muito – disse Melissa, para em seguida explicar detalhes da composição “La madrina”:
“É uma historia da infância de Frida, sobre uma espécie de fantasma que aparecia em momentos difíceis para sua saúde, encorajando-a na superação do problema, a fim de que pudesse viver feliz. Apesar de ter tido muitos obstáculos em sua vida, Frida sempre lutou, sendo, até hoje, um exemplo para nós mulheres, além de uma grande artista.
A novidade é que parte das faixas apresentadas no Brasil estarão em um novo disco, que será lançado no meio do ano. É inegável que a musicalidade de Melissa Aldana é um presente para os amantes do jazz. Assim, seja de azul, rosa, ou de qualquer outra cor, a certeza é apenas uma: ela veio para brilhar.
BEBOP
BLUE NOTE RECORDS - A Blue Note Records completou 80 anos no último domingo. Fundada por Alfred Lion e Max Margulis, é considerada a mais emblemática marca do jazz mundial, tendo em seu histórico de gravações estrelas que vão das lendas Sidney Bechet e John Coltrane, passando por Herbie Hancock e Wayne Shorter, até recentes estrelas do jazz e da música mundial como Robert Glasper, Ambrose Akinmusire e Norah Jones.
JAZZ NO LEME - O baterista Renato Massa se junta a Marcos Nimrichter e Jefferson Lescowich para trazer o melhor do jazz toda quarta-feira no Gaia Café, no Leme, das 19h às 22h.