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#NovaOrleansSim

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Já que esses tempos andam difíceis, marcados pelo discurso do ódio e da polarização, convido vocês ao escapismo: que tal um passeio por Nova Orleans, berço da história do jazz? Assim, podemos fugir, pelo menos por alguns minutos - o tempo que durar a leitura desta coluna - do pessimismo que vem nos assombrando após as eleições do último domingo.

Também conhecida como Nola, a cidade foi fundada originalmente por exploradores franceses. O apelido “The big easy” é uma referência aos músicos e à facilidade de se encontrar emprego por lá (ah, se nossos políticos fossem tão competentes...). São dezenas de casas de shows dos mais diversos formatos oferecendo entretenimento 24 horas por dia. A maioria desse entretenimento fica concentrada no Bairro Francês (French Quarter), região que reúne milhares de turistas o ano todo em busca das ótimas opções de arte, cultura e gastronomia (com sua autêntica culinária cajun e bolinhos Beignets). Uma vitória para uma cidade praticamente destruída em 2005, quando o furacão Katrina matou quase 2 mil pessoas e destruiu diversas regiões (até hoje é possível visitar locais onde os estragos foram irreparáveis).

Ao lado de Nova York, Nola é a Disneylândia dos jazzófilos. Além das casas de show e dos clubes, existem diversos festivais ao longo do ano (como o tradicional New Orleans Jazz Festival) e dezenas de músicos tocando nas ruas e em parques, levando a atmosfera musical a todos os cantos da cidade. Até o aeroporto, que foi batizado com o nome do mestre Louis Armstrong, não escapa da sonoridade de trompetes, saxofones, etc.

Ao chegar ao Bairro Francês, a turística Bourbon Street oferece as primeiras opções no “Musical Legends Park”, aberto ao público sem cobranças de ingresso. Larry Stoops, mais conhecido como “Steamboat Willie”, é um dos usais músicos de Dixieland que batem ponto lá. Do outro lado da rua, fica o hotel Royal Sonesta, que abriga no térreo o “The Jazz Playhouse”, clube de jazz com dois ou três sets todos os dias da semana.

Seguindo adiante, espaços clássicos como o “Maison Bourbon” e “Fritzel”, remetem aos bares tradicionais, com suas big bands espremidas nos palcos, fazendo um som popular, repleto de improvisos e solos que arrancam acalorados aplausos do público. Me lembro que, quando visitei o Maison pela primeira vez, perguntei ao garçom: “Que horas costuma ter shows de jazz por aqui”? E ele com ares de espanto, me respondeu: ‘Da hora que abrimos à hora que fechamos’”.

Um pouco mais à frente, numa rua paralela, fica a cereja do bolo: a “Preservation Hall”, considerada a sala musical mais tradicional do mundo do jazz. Foi criada em 1750 e adaptada em 1961 para perpetuar a história e o legado do gênero. Não existe um grande músico de jazz em Nova Orleans que não tenha se apresentado no local. Quem imagina um lugar bacana com mesas, bares e fotos, vai se surpreender. O local não vende nem bebidas, nem comidas. São pouquíssimos bancos, e a maioria das pessoas assiste aos shows em pé, numa sala quase sem iluminação. Não se pode fotografar, nem filmar. O objetivo ali é se concentrar na mais pura sonoridade dos brilhantes músicos que se apresentam. Uma experiência de arrepiar.

Os bares e casas menores seguem permeando os arredores não só da Bourbon, mas da Royal e da Dauphine Street. São muitas opções, todas de qualidade. Saindo um pouco do eixo dessas ruas turísticas, a Frenchmen Street reúne um público mais jovem, e abriga dois excelentes clubes: o aclamado Snug Harbour e o festivo Spotted Cat. Existem ainda as jam sessions “raiz”, não indicadas a turistas, como o Joe’s Cozy Corner, em Central City. Meu amigo Jefferson Mello, autor do livro “Os caminhos do jazz”, esteve em uma delas e confessou que é uma energia diferente, bem densa.

Nova Orleans me traz memórias felizes pela música e me suscita pensamentos esperançosos por conta de toda história de reinvenção e união do povo para superar uma enorme tragédia. Será que o Brasil chega lá? Ou vamos criar nosso próprio Katrina? Só depende de nós.

Bebop

JAZZ PARA TODOS No próximo dia 13, sábado, o maestro Eder Paolozzi faz uma apresentação gratuita com a Orquestra Sinfônica Cesgranrio, no Parque das Ruínas. O concerto, chamado “Juntas no Jazz”, tem a participação da cantora Alma Thomas. Bonito de se ver (e de se ouvir, claro).