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Modelo negra que tatuou Bolsonaro no corpo está sendo ameaçada

Reproduções -
Da esq. para a dir. : Derlon, Derlon, Carybé, Soraya Pamplona e Araujo. A deusa nagô Yemanjá, na interpretação de vários artistas plásticos. A grande celebrada na passagem do ano se prepara para receber amanhã uma frota de oferendas enviadas com as melhores intenções, mas com as piores consequências para o mar e a fauna marinha. Por isso, queridos, fiz hoje essa matéria sobre o "culto consciente", para vocês lerem antes de rechearem seus barquinhos fofos para a deusa.
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ÉRIKA CANELA, modelo que tatuou no corpo a caricatura de Bolsonaro, homenageando o novo presidente, recorreu à delegacia de crimes virtuais, na cidade de Presidente Prudente, para se proteger do bombardeio nas redes sociais, com ofensas e ameaças de internautas, do tipo “negros como você devem ser pesados em arrobas, como disse Bolsonaro”. Já imaginaram essa gente toda armada de revólver?

ODOYÁ, ODOYÁ, É A RAINHA DO MAR

Nos anos 50 e 60, Yemanjá, a Rainha das Águas, era cultuada em rituais nas praias cariocas nas noites de 31 de dezembro. Assim as famílias festejam a entrada do novo ano. Os diferentes terreiros armavam suas rodas de mães e pais de santo, e dançavam, cantavam batiam palmas. Era muito bonito assistir às baianas girando suas saias na areia, as rendinhas das anáguas se confundindo com as ondas rendadas do mar. E aquele jardim de velas acesas, plantado em toda a praia, cintilando na noite com suas chamas. O céu se esparramava na areia com todas as suas estrelinhas, foi a imagem que me ficou de criança. E todos levavam flores brancas e davam seus pulinhos nas sete ondas, e cada pulinho era um pedido para um orixá diferente. Lançar ao mar barquinhos de oferendas era costume dos religiosos, os curiosos só faziam olhar.

Macaque in the trees
Da esq. para a dir. : Derlon, Derlon, Carybé, Soraya Pamplona e Araujo. A deusa nagô Yemanjá, na interpretação de vários artistas plásticos. A grande celebrada na passagem do ano se prepara para receber amanhã uma frota de oferendas enviadas com as melhores intenções, mas com as piores consequências para o mar e a fauna marinha. Por isso, queridos, fiz hoje essa matéria sobre o "culto consciente", para vocês lerem antes de rechearem seus barquinhos fofos para a deusa. (Foto: Reproduções)

O ADVENTO DOS FOGOS

Nos anos 70, os fogos de artifício começaram a expulsar das praias os rituais místicos do 31, incomodando as entidades com seus estrondos, junto com as poderosas caixas de som das emissoras de rádio e TV, e os amplificadores dos megashows em palcos montados, atravessando os cantos e as palmas, sujando e superpopulando a areia. Porém, foi no bucolismo daquela singela festividade inicial carioca, que Yemanjá se fez popular no país, como a rainha de todas as águas do mundo, seja dos rios, seja do mar, e a crença se perpetuou para a gente do povo, vestindo-se de “branco Yemanjá” no 31, levando flores e oferendas ao mar.

RAINHA SINCRÉTICA

O nome Yemanjá deriva da expressão YéYé Omó Ejá, que significa mãe cujo filhos são peixes. Esse orixá é como um espelho do mundo (espelho d’água), é fértil, mãe de todos. Suas cores são branco, prateado, azul e rosa. Seu símbolo, o Abebé (espelho) prateado. Os elementos são as águas doces que correm para o mar e as águas do mar. Seu culto, ao contrário dos que a julgam uma entidade exclusiva da África, data do final do século XIX, e nasceu na Bahia. Nossa Yemanjá é uma entidade sincrética brasileira, que reúne elementos das três culturas. A africana, sim, mas também a ameríndia (a Yara das águas, dos índios) e a europeia (a sereia). Por isso, a confusão de Yemanjá, um orixá nagô, com a sereia, mito europeu do encantamento do mar. Mesmo completamente contraditórias, elas convivem numa só figura. A Sereia é a sedutora, que com seus encantos atrai os homens para a morte. Já Yemanjá, a deusa nagô, é o oposto, a generosa, representação da fecundidade. A Yemanjá dos nagôs é a deusa do rio Ogún e, por extensão, dos rios, fontes e lagos nacionais. Seu domínio não chega até o mar, onde manda Ôlôkún.

BRANCA E CABELOS LONGOS

Mas a representação da sereia foi desde sempre incorporada à de Yemanjá, e hoje praticamente em todos os candomblés encontra-se a figura de Yemanjá como mulher branca, a pentear seus longos cabelos. Há registro de 1899, no famoso candomblé do Gantois da Bahia, em que foram encontradas, representando Yemanjá, “duas sereias de gesso barato, mandadas vir do Rio de Janeiro”.

AS OFERENDAS

Enquanto no Candomblé os rituais são todos internos, a festa de Yemanjá é no exterior desde sempre, quando a gente dos candomblés a realizava diante do forte de São Bartolomeu, em Salvador, enchendo de oferendas uma grande talha de barro, que se atirava ao mar, com “pentes, frascos de pomada, frascos de cheiro, côvados de fazenda” presenteados por centenas de africanos. A informação mais antiga de presentes a Yemanjá registrada pelos pesquisadores é a de “um pequeno saveiro de papelão, armado de velas e outros utensílios de náutica, lançado ao mar, conduzindo como dádiva à mãe-d’água figuras de bonecas de pano, milho cozido, inhame com azeite-de-dendê, uma caneta e pena, e pequenos frascos de perfumaria”.

OFERENDAS 2

Nos dias atuais, incontáveis “frotas” com oferendas são despejadas no mar, em todas a orla do Brasil, na noite do 31. Em casas de artigos religiosos, pode-se encontrar o barquinho já carregado com garrafa de Champagne, taças, cosméticos vários, pentes de plástico, bonecas Barbie, perfumes em vidrinhos, espelhos, enfim, um desrespeito à mãe d’água, que penhorada agradeceria se só lhe enviassem biodegradáveis, que não poluíssem suas águas, não machucassem as criaturas do mar, não engasgassem as tartarugas etc.

CULTO CONSCIENTE

Já é hora de conscientizar os que cultuam o orixá para essa nova realidade. Frutas, flores, pó de arroz em caixinha de papel tudo bem. Mas plásticos, vidros, metais, garanto que a santa não aprovará nem atender os pedidos de quem não cuida da saúde dos rios e mares de seu apreço...

Com João Francisco Werneck

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hildegard | jb | yemanjá