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O Brasil perde Mãe Stella de Oxóssi, a Yalorixá imortal das letras

Divulgação -
Mãe Stella de Oxóssi, uma yalorixá intelectual
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Morreu na quinta-feira a mais importante yalorixá do país, Mãe Stella de Oxóssi. Escritora com nove livros publicados e grande frasista, ela foi a primeira yalorixá a receber o título de imortal pela Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira 33, cujo patrono é o poeta Castro Alves. Mãe Stella foi uma yalorixá especial. Ela montou o primeiro museu aberto em uma casa de candomblé, onde o público encontra as roupas e os objetos usados pelas mães de santo da casa e pelos orixás. Como uma das maiores líderes do candomblé, ela transmitiu sabedoria enorme sobre sua tradição. Seu terreiro, o Ilê Axé Opô Afonjá é um terreiro importante, o mais político entre todos. Essa filosofia foi iniciada pela primeira Ialorixá, Mãe Aninha, que era recebida até por Getúlio Vargas e criou, em 1936, o cargo de Obá de Xangô, congregando pessoas influentes. Jorge Amado era Obá de Xangô, bem como Dorival Caymmi, assim como o são Gilberto Gil e Moniz Sodré. São 36 obás de Xangô. Depois de Mãe Aninha, vieram outras yalorixás, até que, em março de 1976, Mãe Stella foi escolhida para ser a quinta yalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá, conforme consta no livro de atas do conselho religioso do próprio terreiro. Foi Stella quem deu o melhor prosseguimento ao trabalho de visibilidade política da religião iniciado por Mãe Aninha. Mãe Stella morreu em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, numa quinta-feira, dia de Oxóssi, e na última quinta-feira do ano. Aos 93 anos, cerrou os olhos, fechando o ano de seu santo.

Atualizadíssima, Mãe Stella lançou no ano passado um Canal no You Tube chamado Da Cabeça de Mãe Stella, com ensinamentos, memórias, depoimentos e textos que revelavam seus 78 anos de trabalho. O conteúdo, porém, foi retirado do ar. Ela comemorou os 92 anos com outra inovação: idealizou, produziu e lançou um aplicativo com seu repertório de frases, que pode ser baixado gratuitamente na Play Story do Google Play. É o Orientações de Mãe Stella. Confiram um pouco do que disse essa notável yalorixá, Mãe Stella de Oxóssi, que faz toda a Bahia e todo o povo do santo chorar.

1. “Saber morrer faz parte de saber viver”.

2. “Ninguém é tão sábio que não tenha necessidade de ser um eterno aprendiz”;

3. “Todos nós podemos ser imortais, contanto que cumpramos com competência e alegria a função que nos foi destinada”;

4. “A confi ança é o adubo do amor”;

5. “As lágrimas lavam a alma e clareiam a mente”;

6. “Devemos correr atrás de sonhos e nunca de ilusões”;

7. “Quem é prevenido e atento cai menos em armadilhas”;

8. “Pouca bebida alegra a alma, muita bebida entorpece a mente”;

9. “Competir é lutar sem intenção de destruir o outro”;

10. “Uns estão no momento de mandar, outros estão no momento de obedecer”;

11. “A sapiência só pode ser encontrada nas experiências”;

12. “Cabeça fortalecida, mensagens esclarecidas”;

13. “Todos dizem que é na tristeza que se encontra um grande amigo... Será?”;

14. “Todos falam em mudança, melhor seria que falassem em ampliação”;

15. “Na sua casa, você é dono. Na casa dos outros, você é visita”;

16. “O idoso é detentor de grande axé, respeite-o!”.

“CHAMAR DOMÉSTICA DE SECRETÁRIA NÃO AGREGA VALOR”

Por ocasião da visita ao terreiro de um rei africano, sua majestade imperial Obá Ladeyemi III, rei de Oyó, Mãe Stella de Oxóssi escreveu o texto abaixo:

O CORREIO NAGÔ ENTRA EM AÇÃO

Na África de séculos atrás, a comunicação entre as tribos era feita pelos tambores, que são considerados divindades que comem e falam. Quanto mais eles comem mais eles falam. É por isso que o baiano usa a expressão “o couro vai comer” para dizer que muita discussão vai existir sobre um assunto. Quando a religião chamada de candomblé na Bahia começou a existir, há séculos atrás, os africanos moradores das senzalas, e mesmo os da “casa-grande”, só podiam comunicar-se por meio dos tambores, nas festas permitidas pelos senhores, e por meio da palavra falada. Os tambores dificilmente podiam “expressar-se” e a palavra falada era de difícil compreensão, pois os africanos reunidos nos engenhos de cana tentavam comunicar-se fazendo uso de diferentes dialetos. Afinal, os escravos que aqui chegaram foram trazidos de diferentes localidades do grande continente africano. Correio nagô é a expressão usada pelos candomblezeiros para transmitir de boca em boca as notícias e os eventos que ocorrem dentro do terreiro/templo. Insisto no termo candomblezeiro e não candomblecista, pois este último está ganhando força apenas pela inocente tentativa de ampliar o valor do candomblé. Entretanto, não se faz necessário uso de artifícios linguísticos para que nenhuma religião seja valorizada, pois cada uma tem seu valor para aqueles que a professam ou para as pessoas que têm como lema de vida a justiça e o respeito à individualidade do próximo.

Chamar a empregada doméstica, por exemplo, de secretária não agrega valor a esta tão importante classe de trabalhadores, ao contrário, desclassifica-a, pois sugere atribuições que não pertencem a esta categoria. E os valores dos empregados domésticos são tão maravilhosos que não precisam dos de ninguém.

Hoje, nós, candomblezeiros, não contamos apenas com o boca a boca, valorizamos e usamos a oralidade e a escrita. E é assim que transmitimos aos leitores deste artigo a agradável e valorosa notícia da nobre visita de uma comitiva de irmãos africanos.

O orixá/rei Xangô Afonjá está recebendo em sua “casa” um rei africano: sua majestade imperial Obá Ladeyemi III, rei de Oyó, descendente direto do primeiro ancestral do povo yorubá. O intercâmbio político cultural entre o Brasil e o continente africano, mais precisamente entre Bahia e Nigéria (Oyó), é fundamental para o fortalecimento de nossas raízes e a geração de sementes saudáveis.

Maria Stella de Azevedo Santos

Jornal A Tarde, 30/07/2014.

O AMOR DE MÃE STELLA

De pensamento e de sentimentos vigorosos, a yalorixá Mãe Stella de Oxóssi não escondia sua sexualidade. Ela tinha uma companheira, a psicóloga Gabriela Domini. O advento de Gabriela na vida de Stella e do terreiro gerou um con ito de poder com os lhos de santo. Houve um racha em um dos terreiros mais importantes do país, levando Mãe Stella, ano passado, a se mudar com Gabriela para Nazaré, a 210 quilômetros de Salvador.

A partida da yalorixá causou grandes insatisfações, a ponto de o conselho religioso do terreiro convocar Stella pela imprensa para voltar e dar satisfações a Xangô: “O trono dela está aí dentro, no mesmo lugar, esperando sua volta. Se ela está se sentindo bem lá, tudo bem. Mas tem que vir nos pés de Xangô e dizer qual posto cada um deve assumir, o que cada um tem que fazer”. Ato contínuo, integrantes da Sociedade Cruz Santa, que administra o Axé Opô Afonjá, ingressaram com notícia-crime no MPF contra a companheira da yalorixá, acusando-a de usar seguranças armados para retirar Mãe Stella do terreiro e levá-la para Nazaré.

O objetivo da ação, disseram, era preservar o patrimônio do terreiro, que estaria sendo dilapidado por Domini, que já teria vendido um ônibus no valor de R$ 600 mil. A Casa de Xangô, no Afonjá, insistia no retorno da yalorixá, levada para o Recôncavo.

Graziela dizia ter escritura pública comprovando ser responsável pelo cuidado de saúde de Mãe Stella. E o caso acabou na polícia, com Graziela Domini prestando queixa contra os lhos do terreiro, que, conforme alegava, teriam levado a yalorixá de volta para a Casa de Oxóssi sem seu conhecimento. Com a morte de Mãe Stella, vieram novas complicações no Ilê Axé Opô Afonjá, onde lhos e lhas de santo estavam indignados com a iniciativa da psicóloga Graziela de marcar o velório e o enterro para ontem, em Nazaré. O Ogã Ribamar Daniel recorreu à Justiça para levar para Salvador o corpo de Mãe Stella, para que passasse pela primeira fase do Axexê, obrigatório ritual fúnebre do candomblé.

E quando o corpo de Maria Stella de Azevedo Santos, a Mãe Stella de Oxóssi, estava sendo velado ontem no m da manhã na Câmara de Vereadores da cidade de Nazaré, chegou a decisão da Justiça para o corpo ser encaminhado para Salvador, para ser enterrado no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, fundado pela yalorixá, e que se situa numa fazenda. E lá se foi Mãe Stella, que em vida pregou o respeito aos idosos, desrespeitada em seu sagrado direito de repousar em paz. Matriarca religiosa desse porte, que dedicou a vida à defesa da religiosidade, merecia ser preservada e não ter suas fragilidades expostas às intrigas e ambições.

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NÃO SERÁ SÓ A Praia de Copacabana, a Praia do Flamengo também celebrará a virada do ano com fogos de artifício, por 15 minutos, em três balsas. Além disso, haverá show com Dudu Nobre, Imagina Samba, Nathalia Boere e DJs, com 125 garis cuidando da limpeza e 15 veículos no suporte. Tudo isso, e sem muvuca de multidões. Um luxo!

Com João Francisco Werneck

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