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"O teatro é incapaz de se pagar, ele é anticapitalista por natureza"

Coluna entrevista Aderbal Freire Filho, um dos maiores diretores teatrais do Brasil

Beto Herrera / Jornal do Brasil -
Aderbal é, também, responsável pela árdua sobrevivência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a SBAT
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O entrevistado desta semana é Aderbal Freire Filho, um dos maiores diretores teatrais do Brasil. Aderbal é, também, responsável pela árdua sobrevivência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a SBAT. Não há limites para o seu conhecimento sobre artes, sociedade, teatro, cinema, televisão… E Brasil, principalmente. Mas o assunto desta entrevista ao nosso repórter JOÃO FRANCISCO WERNECK não poderia ser outro, senão a SBAT, que, com mais de 100 anos de existência, está com a sobrevivência em cheque, à mercê do novo Congresso Nacional, que poderá votar em 2019 uma lei que garante a manutenção de uma das mais importantes e antigas instituições culturais do Brasil.

Aderbal Freire, apesar de sua razão apontar o contrário, mantém a fé de que há solução para SBAT, através do parlamento brasileiro. Nesta entrevista, ele revela a luta e as dificuldades de quem dedica sua vida à promoção da cultura nacional.

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Aderbal é, também, responsável pela árdua sobrevivência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a SBAT (Foto: Beto Herrera / Jornal do Brasil)

Como você se envolveu com a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT)?

No ano passado a SBAT fez 100 anos. Essa instituição teve uma vida luminosa, mas apenas até meados dos anos 1970, 80… Nessa época, não havia um único autor brasileiro que não fosse associado à SBAT, e a Sociedade acompanhou um processo de desimportância social do teatro, que foi, e é crescente. Ele foi perdendo sua força e, ao contrário da sociedade de direitos da música, os diretores de teatro passaram a receber os direitos diretamente do produtor. A situação se agravou a tal ponto que, em 2004, a última diretoria eleita da SBAT renunciou, em razão das dívidas. Formou-se então, com alguns colaboradores da instituição, uma espécie de conselho. Essas pessoas eram Ziraldo, Millôr Fernandes, Alcione Araújo e eu. Fizemos de tudo, falamos com todo mundo, governo, artistas, investidores, para resolver essa dívida pendente. E de repente, decido a dívidas trabalhistas da Sociedade, tivemos nossas contas bloqueadas. Foi quando assumimos um comprometimento pessoal para pagar essas dívidas. O Ziraldo, por exemplo, teve um dos maiores prejuízos para cumprir esse acordo.

E o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, não poderia ajudar?

A SBAT é a única sociedade de direitos que não é filiada ao Ecad. Isso porque ele foi feito na ditadura, e a SBAT considera um de seus maiores triunfos políticas nunca ter se submetido ao Ecad. A geração do Lauro César Muniz lembra muito bem dessa época, e desse sentimento de não dialogar com um órgão do regime da repressão. Pensamos em ir para o Ecad, muito tempo depois, já com o fim da ditadura, mas não deu certo. As dívidas atrapalharam...

Há algum tempo a SBAT enfrenta dificuldades. Como está a situação atual?

Recentemente, eu fiz dois chamamentos para salvar a SBAT. Algumas pessoas se sensibilizaram, fizemos um livro de ouro, inclusive, que gerou um caixa, mas isso não foi duradouro. Hoje, a dívida trabalhista é muito pequena: um ex-empregado de São Paulo, outro daqui, e mais alguns funcionários que ainda trabalham por lá. A nossa grande dívida, hoje, é fiscal. E nós temos um projeto de lei no Congresso Nacional, que prevê o perdão e a isenção dessa dívida. Ele já foi julgado por uma das comissões da Câmara e, se continuar sendo aprovado, irá para plenário. Isso é o que pode garantir a volta de uma geração nova de autores à SBAT. A ideia é levar autores de volta à instituição, que já teve em sua presidência nomes como Dias Gomes, João Bethencourt… Meu sonho é que essa geração de jovens autores encampe a SBAT para ter uma entidade é importante. Muitos estão se aproximando, mas ninguém quer assumir uma Sociedade com um passivo de oito, dez milhões. Então, a esperança para a SBAT é esse projeto de lei. Se eu pudesse fazer uma hashtag, seria: #VenhamJovensAutores.

Sua expectativa deve ser grande com esse Congresso recém-eleito…

Não são boas. Olha, nesse momento eu sou um crítico radical do novo governo. A conjuntura é assustadora. Aqui do Rio não se elegeram muitos candidatos que estavam do nosso lado. A minha esperança, frágil, está no valor histórico do patrimônio imaterial da SBAT. Esse projeto de lei que nós falávamos é da Jandira Feghali, e foi assinado pelo Gláuber Braga, o Mollon… Essa bancada está conosco, mas nós precisamos da maioria. Então, que essa maioria venha da consciência da defesa da história e da cultura do teatro brasileiro. Não há nada mais antigo no teatro brasileiro que a SBAT. A minha expectativa é meio tenebrosa, sabendo que temos um governo que já acabou com o ministério da Cultura, que fecha exposições. Será difícil…

E o MATER, o Movimento de Artistas de Teatro do Rio? Você chegou a participar das discussões?

Eu diria que não. Participei de alguns encontros no apartamento do João Falcão, em que ele chamou Gilmar Coutinho, meu braço direito na SBAT, Mário Sérgio Medeiros e mais quatro, cinco pessoas. Ali eu vi que havia a intenção de formar alguma coisa, mas para mim já era o suficiente aguentar a SBAT. Eu acompanho o movimento, é claro. Até propus que eles se juntassem à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Naturalmente o que impedia isso era o nosso passivo imenso...

Como você avalia o momento do teatro brasileiro?

É um momento contraditório. Uma vez fiz uma palestra na UFF, e o tema era “qual a importância social do teatro?”. Então, fui lá e disse, “qual a importância social do teatro? Nenhuma!”. O que aconteceu é que as salas fecham porque o público não vai ao teatro. A nossa cultura teatral sempre foi muito verde, ao contrário de grandes nações desenvolvidas, e o teatro foi perdendo sua importância social e as salas foram fechando. No Rio, fecham salas novas e também as antigas. O que eu quero dizer é que o teatro é incapaz de se pagar. Ele é anticapitalista por natureza. Ele é “antimercado”.

E qual a contradição? Na sua opinião, o Teatro ainda consegue se inserir no meio jovem?

Enquanto os teatros estão fechando, e o público diminuindo, a contradição é que há um crescimento de qualidade artística. Enquanto ele perde em importância social, ele ganha em riqueza expressiva. O teatro que se fazia no começo do século passado era pobre, meio realista. Havia uns poucos gênios, que rompiam com as convenções. O cinema pegou tudo o que o teatro realista fazia e fez melhor. Foi nesse momento que o teatro descobriu sua poética. Eu digo, só para chocar, que invenção do teatro, no século passado, é mais importante do que a do cinema. Porque foi preciso descobrir uma nova forma de contar histórias. O teatro recuperou o poder da ilusão e imaginação. Ele perdeu economicamente, mas se desenvolve cada vez mais enquanto expressão artística. Quem queria ganhar dinheiro com teatro não vai ganhar.

Há uma demonização da Lei Rouanet. Como você avalia isso?

As pessoas criticam, mas a lei precisa apenas ser aperfeiçoada. Por exemplo, se o teatro não rende, não tem receita que alcance a despesa, ele precisa de apoio. Mas isso não quer dizer que ele tenha que dar lucro. Ele não pode dar lucro porque ninguém pode ter lucro com dinheiro público. Outro erro, a meu ver, é achar que artista de teatro tem que ganhar mal. Ser bem remunerado não tem nada a ver com lucro. É preciso haver um estudo sobre os custos das peças, porque o espetáculo, por mais que ele lote as salas, ele simplesmente não se paga.

Por que, em outros países, o teatro apresenta uma importância social maior do que no Brasil?

História, principalmente. A história artística de outros países é mais rica, contemplaram Shakespeare, Moliére, Bach... Tem uma coisa legal que o Emil Cioran, um filósofo romeno, costuma dizer: “Sem Bach, deus seria muito menor”. Esse é um pensamento que diz que Bach é importante, então as pessoas vão ao teatro. Aqui as pessoas não querem ir, não vão, não tem esse passado que contribui. Além disso, somos um país que deu as costas para sua educação. Mas, o que eu queria dizer é que a falta de formação cultural tem muito a ver com o conceito de analfabeto funcional.

E o sucesso do espetáculo “Incêndios”, com sua direção? Qual a próximo passo da peça? (NY, Paris?)

O que ninguém disse até agora que é que o “Incêndios” foi premiado na Argentina, com o prêmio Teatro do Mundo, entregue pela Universidade de Buenos Aires, como “o melhor espetáculo estrangeiro”. Nesse tempo, fiz outra peça chamada: “A palavra progresso na boca da minha mãe soava terrivelmente falsa”. Ela também concorre a prêmios na Argentina e Uruguai, incluindo melhor direção, peça, ator, atriz e atriz coadjuvante. Esse prêmio será entregue na quinta-feira, dia 13. O meu próximo trabalho, sublinhada minha relação o grupo teatral Galpão, que completa 70 anos em 2019, eu ainda não sei qual será. Concreto, por hora, é que haverá montagens com o Galpão. Mas eu tenho meus sonhos. Quero reagrupar os atores com quem eu sempre continuei trabalhando e construir um espetáculo a partir de reflexões políticas, e que seja a política de hoje. Quero uma fábula, uma história, uma trama, algo que reflita a atual sociedade brasileira.

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O NÚMERO EXCEDEU: 800 voluntários atenderam ontem ao chamamento do evento “Cada um cuida de um”, de uma campanha para doação de rações, remédios e apetrechos pet para os cerca de 600 cães e gatos do Centro de Proteção Animal, na Fazenda Modelo, em Guaratiba. Amantes de animais de estimação, muitos voluntários deram o bom exemplo, levando bichinhos para casa. A campanha já começou bombando.

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Com João Francisco Werneck