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Uma crônica brasileira de ficção e realidade

Cristina Granato -
A juíza escritora Andréa Pacha lançou na Livraria Argumento seu último livro, "Velhos são outros". Andréa, nas fotos, com Pedro Luís e Du Moscovis, Aderbal Jr. e Regina Zappa
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No domingo, Alexandre Frota postou em seu twitter o vídeo de policiais recolhendo jovens mortos por eles, como se fossem batatas ensacadas. De tênis e mochila nas costas, os mortos aparentavam ser adolescentes. Os corpos foram arrastados, deixando uma longa poça de sangue na calçada, e jogados na pick-up da Polícia. Uma cena dantesca, que populares saudavam aos aplausos e gritos de “FDP”, “valeu, coisa boa “, “vai, desgraçado”, “muito bem, polícia”, “Bolsonarooo!”, “tem que morrer, tem que morrer.”

Em seu post, o ator pornô se rejubila: “No Rio de Janeiro o coro comendo. Polícia Witzel já começa a mostrar sua força. Já já coletivos e ongs + Direitos Humanos e Onu começam a dar chilique. Mas a limpeza precisa ser feita.”

Menos de 24 horas depois, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, faz a apologia do genocídio, propondo a morte de 100 mil pessoas. Seu pai, mais modesto, havia cogitado 30 mil. Fica a dúvida sobre qual será o critério para as mortes. Assaltantes? Homicidas? Gays? Jornalistas? Quilombolas? Comunistas? Feministas? Petistas? Educadores? Todos eles? Nessa ordem ou ao contrário?

Em uma troca de mensagens com os colegas no whatsapp, um jovem estudante do segundo grau de Porto Alegre propôs, em vez do Ministério da Cultura, o Ministério da Tortura. Vamos dar o desconto, que jovens são bravateiros, e entre eles se permitem “barbarizar” no palavreado e em suas fantasias. Mas nada a estranhar de uma juventude que cresceu embalada pelos videogames, em que a pontuação são as mortes que comete durante o fogo. “Matei!”, vibram as crianças com naturalidade. E voam cabeças, pernas, braços, o sangue jorra para os vencedores.

Nessa sociedade de cultura “ingenuamente” sanguinária, é dever da casa, através dos pais, e da escola, com os educadores, fazer a criança e o jovem discernirem entre realidade e fantasia, certo e errado, humanismo e barbárie. Contudo há aqueles que, ao contrário, são estimulados em seu ambiente a prestigiar a violência como uma alternativa de vida lógica e saudável.

No filme de terror A volta dos mortos vivos, de 1985, jovens mórbidos sem rumo, vestindo jaquetas de couro, dançam sobre sepulturas. Os mortos, caveiras descarnadas, são reanimados por um gás, numa instalação química militar, e voltam como zumbis, com fome de carne, estabelecendo-se o terror, a barbárie.

O que evoca esse cenário? Estaríamos vivendo situação semelhante em que “zumbis” do autoritarismo, ressentidos, retornam de seu esquecimento, de suas “tumbas”, para assombrar a vida brasileira com violência e mortes?

Ou lembraria mais a ficção científica? No filme 1984, a partir da obra de George Orwell, no fictício país Oceânia, há apenas quatro ministérios, um deles, o Ministério da Verdade, tem como função falsificar registros históricos, a fim de moldar o passado à luz dos interesses do presente tirânico. E já há quem fale em mudar a História recente do Brasil...

Em Oceânia, há uma Polícia das Ideias, que faz uma patrulha ferrenha do pensamento. O sexo também é criminalizado pelo falso moralismo obscurantista. O estado de submissão é tamanho, que não se seguem leis, mas sim regras determinadas pelo Partido, cujos torturadores usam um método especialmente cruel: o flagelo com ratos. “Eles saltarão sobre seu rosto e começarão a devorá-lo. Às vezes atacam primeiro os olhos. Às vezes abrem caminho pelas bochechas e devoram a língua”, diz o texto de Orwell.

Tivemos, sim, essa experiência com ratos e baratas em dias muito tristes no Brasil, nos porões do autoritarismo à direita. No caso dessa obra, toda a alegoria se refere ao autoritarismo do comunista Stalin na União Soviético. O autoritarismo não tem partido nem ideologia, ele é grotesco e desumano, seja representado pela foice, a toga ou o quepe.

Em sua obra profética, escrita em 1948, Orwell coloca “teletelas” em todos os lares e espaços públicos, que tudo (e a todos) veem e vigiam. Hoje somos vigiados e controlados por câmeras, satélites, facebooks e toda a rede social. Com esse componente novo das fake news como meio de dominação das massas.

Soylent Green,filme dos anos 70, baseado no livroMake Room! Make Room!, de Harry Harrison, se passa na Nova York de 2022 (daqui a quatro anos!), com mais de 20 milhões de desempregados nos EUA, e situação anda pior no resto mundo. A classe média não existe, apenas alguns privilegiados do “alto escalão” (os ricos). O povo vive e dorme nas ruas, onde eclodem constantes revoltas por comida.

Os ricos vivem em condomínios cercados, com vigias armados de fuzis, e moram em arranha-céus, cujos luxos oferecidos aos moradores incluem à sua disposição mulheres lindas e jovens, que são parte da “mobília”. Água quente, eletricidade, ovos e geleia na geladeira, são luxos dos “sonhos” a que só o “alto escalão” tem acesso. A preciosidade mais rara é a carne de verdade.

A multidão de pobres e desempregados alimenta-se de tabletes verdes, chamadosSoylent Green, distribuídos pelo governo, que constam ser à base dealgas marinhas. A trama do filme revela que, esgotadas as riquezas da Terra, sequer algas há nos oceanos, e Soylent Green é produzido com corpos humanos, por isso o amplo programa de estímulo às mortes voluntárias e a matança indiscriminada. Para controlar as multidões em suas manifestações uma frota de escavadeiras recolhe os revoltados, que posteriormente são pasteurizados. Viram tablete.

Seria exagero fazer uma analogia de Soylent Green com o momento brasileiro, ou um próximo momento. Não temos rebeliões nas ruas por comida, por remédio, por moradia. Mas há quem preveja a repetição, no Brasil, do que ocorre no Chile, com milhares de idosos na miséria, batendo todos os recordes de suicídio da história do país. O modelo de capitalização da previdência proposto para nós por Paulo Guedes é o mesmo que levou os trabalhadores chilenos à ruína.

Viraremos tablete?

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Macaque in the trees
A juíza escritora Andréa Pacha lançou na Livraria Argumento seu último livro, "Velhos são outros". Andréa, nas fotos, com Pedro Luís e Du Moscovis, Aderbal Jr. e Regina Zappa (Foto: Cristina Granato)

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O NORTE DO DINO

O governador Flávio Dino editou ontem Decreto garantindo Escolas com Liberdade e Sem Censura no Maranhão, nos termos do artigo 206, da Constituição Federal. Ele diz: “Falar em “Escola sem Partido” tem servido para encobrir propósitos autoritários incompatíveis com a nossa Constituição e com uma educação digna.”

O NORTE DE BOLSONARO

Michel Temer não decepciona. Prestes a se despedir do Palácio do Planalto e, quem sabe, da vida política, ele ainda não nomeou o reitor da UFF, eleito em maio passado, contrariando o STF que garante a autonomia universitária. Temer tem até amanhã para ratificar a eleição do professor Antonio Carlos Lucas da Nobrega, que foi apoiado pelo PT. Ih, será por isso?

Sem reitor, as pesquisas, melhorias e os investimentos da UFF seguem congelados. Com a posse em janeiro de Bolsonaro, caberá a ele aceitar, ou não, essa nomeação. Boa oportunidade para demonstrar que a Constituição é mesmo o seu norte, como disse.

REVOADA TUCANA

O Vice-Presidente Nacional da Juventude do PSDB, Pedro Duarte, pediu para sair do partido a caminho do Partido Novo. Pedro era uma das apostas jovens tucanas. Mesmo a doação de 30 mil de Armínio Fraga à campanha de Pedro não foi motivo para ele se manter fiel ao PSDB. Nos corredores do partido, diz-se que o presidente estadual, Otávio Leite, é o próximo a desembarcar. Tucanos voam em todas as direções.

LEGADO OLÍMPICO

A decisão da 23ª Câmara Cível do TJ-RJ é de ontem: o Comitê Olímpico Internacional deverá pagar R$ 4 mil por danos morais a uma família cuja filha foi acidentada no Parque Olímpico, nas Olimpíadas. Foi quando uma câmera suspensa de TV de 100 quilos despencou e atingiu a criança, que teve lesões graves e queimaduras de 2º grau. O equipamento pertencia ao órgão do COI Olympic Broadcasting Service.

LONGE PERTO

A ex-presidente da ABL, a imortal Nélida Piñon, há seis meses em Lisboa onde conclui livro, marcou a volta para março. O que não a impede de se manter ligada no país. Depois de ler aqui na coluna sobre a assinatura do maior contrato editorial do Brasil, envolvendo a obra de Guimarães Rosa, Nélida escreveu parabenizando o articulador da negociação e a Editora Global:

“Roberto Halbouti, querido. Sei bem o significado deste feito que ora vem a público. Expressa apublicação da magnifica obra roseanaque, colocada ao alcance do leitor, ganha realperpetuidade no panteão brasileiro.Sem falar que um contrato desta ordem de grandeza assegura, por extensão, dignidade profissional aos demais escritoresbrasileiros, tornando-nos de fatocompetitivos no nosso mercado editorial (...). O meu bem querer de sempre, Nélida Piñon.”

SEM TRÉGUA

Num clima de animosidade com o Brasil, começa hoje, no Egito, em Sharm El Sheik, a Conferência das ONU sobre a Biodiversidade, a COP14. Uma carta será distribuída às delegações participantes denunciando ameaças explícitas à biodiversidade brasileira por parte do presidente eleito. Os ativistas acreditam que a vitória de Bolsonaro ameaça os direitos humanos, a liberdade de expressão, o direito à diversidade, ao protesto e à livre organização política. A carta é assinada por 18 entidades, de A a T: da Articulação Nacional de Agroecologia, Agricultura Familiar e Agroecologia à Terra de Direitos.

FIOCRUZ COLORIDA

Pela primeira vez no calendário mundial da saúde o 10 de novembro, Dia Mundial do HTLV, fez muito barulho. A começar pela fachada da FioCruz, há duas noites iluminada de vermelho e branco. A campanha chama atenção para a pouco conhecida infecção, com grande impacto na saúde pública e nas vidas de milhões de pessoas. No Brasil, são cerca de dois milhões de infectados, com alto índice de soropositividade no Rio de Janeiro, na Bahia, no Maranhão e em Minas.

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O imortal da ABL Marcos Villaça tomou posse ontem na Academia Carioca de Letras, presidida por Ricardo Cravo Albin, com o salão do Instituto Histórico e Geográfico superlotado com admiradores. Inclusive o filho do homenageado e o genro, o ex-ministro da Educação, Mendonça Filho, que Marcos também trata como filho.

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Com João Francisco Werneck