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Júnior e a receita para seguir adiante

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O coração ainda sangra pela morte estúpida dos dez meninos no Ninho do Urubu, mas a vida tem que seguir em frente. O carioquinha recomeça no meio da semana e a pergunta que o torcedor se faz é como reagirá o time do Flamengo, que tem um Fla-Flu pela frente, ainda vivendo o trauma da morte da sua molecada. Para me ajudar a entender o que pode passar na cabeça do time de Abel nesse momento difícil, telefonei para um amigo que já passou duas vezes por situação semelhante: Júnior, cracaço do maior esquadrão rubro-negro de todos os tempos. Fala, Léo!

- Senti bem isso em duas ocasiões, na carreira, Renato. Primeiro, em 1976, com a morte de Geraldo (Assobiador), que era praticamente um irmão pra mim, pro Zico, pra toda a turma que tinha subido junto da base. Era um cara sensacional e um senhor jogador de futebol (foi convocado para a seleção principal, antes de Zico). Lembro-me que fizemos um amistoso com a seleção brasileira, com Pelé e tudo mais, para arrecadar uma grana pra família dele. Jogamos de calções pretos, pelo seu luto – recorda Júnior.

A segunda grande pancada foi com o falecimento do técnico Cláudio Coutinho, em 1981, pouco antes da viagem para o Mundial, no Japão:

- No caso do Geraldo, recebemos a notícia em Fortaleza, onde o Flamengo fazia um amistoso. Estávamos na piscina do hotel, Zico, Vanderlei (Luxemburgo) e eu e custamos a acreditar que fosse verdade! No caso do Coutinho foi pior pra mim, porque eu estava com ele, na praia. Jogamos vôlei e o capitão foi dar um mergulho, dizendo que ia pescar algo pra gente comer, no Marimbás! Imagina! Fiquei esperando e, de repente, volta um barco com o corpo dele.

Jogar imediatamente após essas tragédias, Júnior reconhece, é tarefa das mais duras. Mas o pior, segundo ele, nem são os jogos, mas a preparação para os mesmos.

- Na hora que a bola rola, por maiores que tenham sido as homenagens antes da partida, a emoção e tudo mais, você consegue se concentrar no jogo e esquece a dor. Difíceis são os treinamentos, quando a cabeça tem tempo para ficar trazendo recordações dolorosas. Aí, não tem jeito. Só o tempo, mesmo.

Quem, certamente, poderá ajudar um pouco os jogadores rubro-negros nesse inevitável processo de luto é o técnico Abel. Que passou, há pouco mais de um ano, por um drama semelhante com a morte do filho mais jovem. Na ocasião, o Fluminense chegou a lhe acenar com uma licença, mas ele preferiu continuar trabalhando e foi no convívio diário do futebol e no carinho da torcida que encontrou um pouco mais de conforto. Abel sabe como será duro voltar ao Ninho do Urubu, onde esses meninos que morreram tietavam os craques do profissional e o próprio treinador, pedindo para tirar fotos etc.

Não há dúvida, o Flamengo entrará em campo, na próxima quinta-feira, com a alma ainda em frangalhos. O grande desafio é usar essa dor para se agigantar e vencer, como homenagem à meninada que se foi.

Exatamente como Zico, Júnior e Cia, fizeram, em 1981, em relação a Cláudio Coutinho, o homem que, com o Brasileiro de 1980, deu início ao maior período de glórias de toda a história rubro-negra.