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Anjos de chuteiras

Divulgação -
Renato Mauricio Prado
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Eram apenas meninos. Que corriam atrás da bola e de um sonho comum: chegar aos profissionais, se tornar titular e, quem sabe, ídolo da maior torcida do país, garantindo vaga na seleção brasileira e, claro, o "grand finale', fazer fortuna, jogando num grande clube do futebol europeu.

O futebol para eles era, na maioria dos casos, a forma de driblar as condições financeiras precárias dos pais, que enxergavam no esporte a grande chance de ascensão social dos filhos e, por que não, a salvação econômica de toda a família.

Moravam na concentração, no Ninho do Urubu, em Vargem Grande, porque não eram do Rio, o que tornava ainda mais complicada a batalha deles pelo sucesso. Afastados do pai e da mãe, dos irmãos, dos demais parentes, dos amigos, para todos eles, faltava esse tipo de apoio tão importante nos momentos difíceis. Não havia ombro amigo, para chorar contusões, lamentar derrotas e discutir barrações.

Por isso, os adversários, nos jogos, nem eram os seus rivais mais ferrenhos. Quem já viveu por longos períodos longe de casa, sabe muito bem como dói a saudade. Ainda mais quando se é tão jovem.

São poucos, muito poucos os meninos que conseguem sair da base e ter sucesso de verdade entre os profissionais. Vinícius Jr. é a exceção das exceções que confirma a regra. Eles sabiam disso. Mas nem assim abandonavam a ilusão que alimentavam com empenho e dedicação, dia após dia, treino após treino, jogo após jogo, até a última gota de suor.

Na noite da última quinta-feira, após mais um dia de treinamentos duros, foram dormir, sonhando com um futuro paradisíaco, como o de Vinícius. Acordaram num inferno de chamas que pôs fim às suas fantasias e às suas próprias vidas.

Para Arthur, Athila, Bernardo, Christian, Pablo, Jorge, Samuel, Gedson, Vítor e Rykelmo, o sacrifício feito até ontem, infelizmente, foi em vão. De forma trágica, o futuro desses garotos, literalmente, se transformou em cinzas. São agora anjos de chuteiras, que vão chutar e defender bolas de nuvens, nos gramados do céu.

Que São Judas Tadeu, padroeiro do Flamengo, os receba com o carinho que merecem e que os dirigentes do clube tenham a honradez de cumprir seus compromissos com eles, apoiando psicologicamente e suportando em termos financeiros as famílias devastadas por tamanha tragédia.

E que todos os clubes do Brasil aproveitem tão triste ocasião para fazer rigorosas inspeções nas instalações de suas divisões de base, equipando-as com os instrumentos necessários para evitar novas calamidades como a que ocorreu no Ninho do Urubu. Não somente o Flamengo, mas todo o mundo do esporte está em choque e de luto.

Descansa em paz, molecada!