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Adeus, Bandeira. Até nunca mais!

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A partida não valia nada e, por isso, quando ouvi a algazarra da cachorrada lá fora, até estranhei. Mas era ele mesmo quem chegava.

– Veio comemorar o vice, Bagá? – provoquei.

– Nada a comemorar em 2018, chefia. Vim dar adeus a uma temporada em que poderíamos ter ganhado um bando de canecos, mas saímos de mãos abanando, por causa da incompetência dos caras que dirigiram o nosso futebol. Graças a Deus, estão de saída – replicou o ciclope, com cara de poucos amigos.

Anunciada a escalação, o monstro, já devidamente aboletado no pufe do salão, torceu o nariz:

– Vitinho no banco? Porque jogar com dois volantes, contra os reservas do Furacão, num jogo que não vale nada? Devia ter entrado com o Paquetá ao lado do Arão e mantido o Vitinho – resmunga.

Contra-argumento, lembrando que o jogador andou sentindo dores musculares durante a semana, mas o ciclope responde com um muxoxo:

– Então, não deveria estar nem no banco. E está.

Bola rolando, o jogo é morno. Pouco mais que um casados e solteiros de festa de fim de ano. Bolinha na tela anuncia gol do Atlético Mineiro, contra o Botafogo, em Belo Horizonte. E o confronto do Maracanã passa a valer menos ainda, pois o resultado do Independência garante a sexta vaga para o Galo, obrigando o Furacão a buscar a sua participação na Libertadores através da Sul-Americana.

Coincidência ou não, em seguida, Diego bate um escanteio e Rhodolfo, de cabeça, abre o placar no Rio. Sisudo estava, sisudo continuou o Bagá:

– Não vai comemorar? – estranho.

– Comemorar o quê, chefia? Se tivéssemos demitido o estagiário bem mais cedo, aí sim eu estaria comemorando. O hepta! Mas o Bandeira, o Lomba e o tal do Noval achavam o Barbieri a última bolacha do pacote, deu nisso...

Aproveito a deixa e pergunto sobre o futuro:

– Quem você preferia? Renato ou Abel?

O colosso de ébano apela para a ironia:

– O Abel, claro. Mas lá em 2016, quando o Muricy saiu e o trouxa do Bandeira não quis. Já imaginou quanta coisa teríamos ganho de lá pra cá? Aí inventaram o Zé Ricardo, depois o Rueda, que só veio pra nos deixar na mão, o Carpegiani e o estagiário. Abelão vai chegar agora com quase três anos de atraso! Mas é um senhor treinador. Como o Gaúcho. Pra mim, estão ali, cabeça a cabeça.

Em campo, Diego sofre uma falta dura e me permite puxar outro assunto quente no rubro-negro carioca:

– Você quer que o Diego continue ou prefere que ele saia?

– Que fique, claro. Com o Abelão, aposto que o futebol dele vai reaparecer. E com a saída do Paquetá, não podemos perder mais um meio-campo como ele. Mas tem que parar de cartão amarelo todo jogo – comenta, irritado com uma advertência que parecia ter sido dada ao camisa dez por reclamação, mas, na verdade, foi para Piris da Motta.

Segue o jogo, Éverton Ribeiro quase marca, num chute de curva, bem colocado, e o ciclope o elogia:

– Esse custou a engrenar, mas agora tem jogado o fino. Vai acontecer o mesmo com o Vitinho, aposto. A torcida precisa ter paciência com essa turma que vem lá da conchinchina, completamente fora de forma – ensina.

Intervalo no Maraca, quero saber do Bagá quais são as apostas dele para os dois rebaixados que ainda faltam e serão definidos hoje, numa rodada pra lá de tensa:

– Se pudesse escolher, Vasco e Fluminense! – dispara, sacolejando a pança, com uma gargalhada bizarra de poucos dentes e muita gengiva (inflamada). Mas, falando sério, acho que os dois escaparão, porque a Chape não vai ganhar do São Paulo e o América, no máximo, empatará com o Flu. Pra mim, caem Chape e América. O Sport escapa, ganhando do Santos, que já está de férias, lá na Ilha do Retiro.

– E a final da Libertadores, Bagá? Achou legal ser jogada no Santiago Bernabéu?

– Uma vergonha, chefia. Um horror, né? Que fizessem no Monumental de Núñez, com portões fechados. Mas levar pra fora da Argentina? Pra Europa? É assinar o atestado de óbito do futebol na América do Sul. Pra mim, não faz o menor sentido. Já pensou Flamengo e Vasco decidindo o Brasileiro em Miami? – conclui, com uma lógica respeitável.

A bola volta a rolar no outrora maior e mais bonito estádio do mundo, o Atlético Paranaense coloca alguns titulares e isso é o bastante para empatar e virar o placar da partida, que termina com confusão e expulsões – de Willian Arão e Rony. De relance, do lado da Fla-Manguaça, se vê uma faixa com os dizeres “Adeus Bandeira, até nunca mais”.

– É justo, Bagá?

– É, chefia. Reconheço que ele reorganizou a parada da dívida e montou um CT de respeito. Mas errou o que podia e o que não podia no futebol. Por ignorância e marra. E a alma do Flamengo é o futebol. O resto é o resto. Deu mole na bola, não tem perdão. Ninguém vai sentir falta de um presidente perdedor.

Cruel, Bagá, cruel. Mas, como sempre, prenhe de razão.