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Terrorismo verbal assusta a imprensa

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No vil ataque contra a premiada jornalista e escritora Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo”, o militar que ocupa a presidência da República voltou a exibir seu caráter cafajeste, sexista e misógino. O sinistro episódio encerra algumas lições. Ao mesmo tempo em que o personagem assume publicamente sua face terrorista de milicia-no, assustando a muitos que ainda creem em seu evangelho, expõe a fragilidade e a falta de convicções da grande imprensa. Afastada de seus deveres básicos, ela tem se pautado por seus interesses e conveniências, deixando de cumprir seu papel como um poder responsável, independente e livre, como apregoam os diários mais importantes do planeta.

Os meios de comunicação vieram dando asas a Bolsonaro, que ultrapassou todos os limites que as instituições democráticas podem suportar. Reconhecem tardiamente que em sua estratégia de guerra contra a democracia houve agora uma quebra de decoro por calúnias sexistas (“ela (a jornalista) queria dar o furo a qualquer preço contra mim.” Diante da grosseria, as reações que se viram foram um editorial da “Folha”, abaixo-assinados de mulheres, notas de protesto de algumas entidades e empresas jornalísticas, e o silêncio de outras e dos demais poderes da República.

Em 1964, quando jornais e TVs partiram para a derrubada do presidente João Goulart, desencadearam durante meses uma campanha sistemática de acusações e de boicote a ações do governo. No dia do golpe os jornais amanheceram com editorais na primeira página ostentando títulos fortes de “Basta” e “Chega”. Ao contrário de Bolsonaro, Jango era acusado de querer implantar uma república sindicalista e comunista, logo ele que era um estancieiro gaúcho trabalhista e reformista.

As agressões à imprensa e aos profissionais se sucedem num ritmo alucinado como nunca se viu da parte de um político, seja civil ou militar, do baixo ou do alto clero evangélico. O cara passou a fazer gestos obscenos e a distribuir bananas para os repórteres diante das risadas de aprovação de sua claque reunida na saída do palácio da Alvo-rada. O que era para ser uma entrevista virou uma molecagem para divertimento e pro-vocação dele e de sua pequena gangue de seguidores.

Diante desta escalada claramente autoritária, que as atinge direta e indiretamente, as empresas de comunicação se curvam, abrindo mão de sua independência editorial, com inevitável perda de credibilidade. Certamente que em nome das reformas liberais conduzidas pelo ministro defensor do AI-5, da retirada de direitos dos trabalhadores, da marcha acelerada das privatizações e do bom andamento dos mercados. Comportam-se como se estivessem diante de pequenas transgressões de um presidente que brinca com a dignidade e o decoro de suas funções, suficientes, no entanto, para sustentar uma de-núncia por crime de responsabilidade. Por enquanto, a palavra impeachment está fora do ar.

Visada em especial pelo capitão, a “Folha” emitiu nota afirmando que a agressão à repórter Patrícia Campos Mello é uma agressão a todo jornalismo profissional. De fato é. O vulgar e grosseiro agressor desconhece que Patrícia, 44 anos, é uma profissional do primeiro time do jornalismo brasileiro e internacional, autora das reportagens sobre crime eleitoral na campanha de Bolsonaro, com o uso maciço de noticias falsas pelo WatsApp.

Ex-correspondente do “Estado de S. Paulo” em Washington, Patrícia cobriu conflitos e guerras no Afeganistão, na Síria, Iraque, Líbia e Serra Leoa. Ostenta troféus e prêmios como o Internacional de Jornalismo Rei da Espanha, Internacional da Cruz Vermelha, Troféu Mulher da Imprensa e o prêmio Vladimir Herzog. É autora de dois livros, um deles um romance baseado num casal de refugiados da guerra na Síria.

Diante do capitão Bolsonaro, os repórteres que cobrem a Presidência deixaram de se comportar como profissionais e viraram comedores de banana verde, empurradas à força goela abaixo. Não tiveram a coragem de propor o boicote daquela encenação montada na saída do Alvorada em que são humilhados. Repetem diariamente um teatro do absurdo em que não conseguem sequer fazer uma pergunta completa. Se não contam com o apoio dos patrões, poderiam recorrer aos sindicatos e à Federação dos jornalistas.

A grande empresa jornalística está à deriva, numa crise de dimensões sem prece-dentes. Deixou de ostentar o respeitável título de ser o quarto poder. E se enfraquece ainda mais ao esconder de seus leitores fatos como a vitoriosa greve dos petroleiros, nu-ma atitude orquestrada de autocensura. Além de descumprir seu papel social, ignora o direito do cidadão à informação.

Depois de 22 dias, o TST declarou a greve ilegal. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) recorreu e anunciou que a paralisação será suspensa até a realização de uma nova assembleia. São 21 mil trabalhadores em 121 unidades em todo o país, a maior gre-ve desde 1995. A Petrobras apelou, oferecendo dinheiro para os que não aderissem à paralisação, esquecendo-se de que está lidando com um setor muito politizado, com dé-cadas de lutas sociais. Para a mídia, a greve não existiu. Os leitores que se virem.

*Jornalista e escritor