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Um parasita pequeno e selvagem

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É diminuta a condição humana do economista carioca Paulo Guedes que rege com todos os poderes a economia e o destino dos brasileiros. Numa semana vertiginosa em que cinema e realidade se misturaram, um filme intitulado “Parasita”, do sul coreano Bong Joon-ho, ganhou o Oscar da Academia. Falando para um seleto auditório na Fundação Getúlio Vargas, o ministro Guedes recebeu a disputada estatueta ao avacalhar com os servidores públicos, tachando-os de parasitas. Dias depois tornou a exibir seu preconceito contra os pobres, lamentando que até empregadas domésticas possam ir a Disney, aproveitando se de um dólar barato que subiu com seu discurso.

Comporta-se como um pequeno burguês elitista, um parasita menor, um cara que nunca trabalhou para valer, como se estivesse num documentário de terror em que é coadjuvante de seu mentor e avalista Bolsonaro. Vindo da classe média, filho de uma funcionária pública, formou-se graças a uma universidade pública e chegou a Chicago para fazer mestrado com uma bolsa do CNPq. Prosperou nas assessorias de empresas do mercado financeiro. Não fosse o Estado parasitário que ele se esforça para quebrar e destruir, seria gerente de banco, no máximo assessor de um banqueiro poderoso.

Em seu delírio contra os funcionários, o economista de Chicago não esclareceu se em sua pregação estavam incluídos os militares, esses privilegiados das casernas que tiveram seus vencimentos aumentados muito acima dos “parasitas” civis. Nem podia, porque os milicos de quatro estrelas ocupam hoje todos os gabinetes e ministérios do Palácio do Planalto, inclusive a Casa Civil, o que acontece pela primeira vez desde o fim da ditadura.

Bolsonaro tratou de incluir os indígenas, que segundo ele não chegam a ser humanos como nós, nesta relação de aproveitadores que não trabalham. Em Projeto de lei enviado ao Congresso, o governo consolida este tratamento discriminatório abrindo as terras indígenas para exploração econômica, seja para a extração de recursos minerais, petróleo e gás ou a construção de hidrelétricas. Empresas estrangeiras pressionaram neste sentido. Como os índios nada fazem, o melhor é acabar com eles e tomar suas riquezas.

Nesta tacanha e preconceituosa visão, os artistas também são parasitas. Todos eles deveriam ser internados e submetidos a um trabalho de recuperação. Com seu olhar de quem sabe o lugar da empregada, Guedes certamente consideraria um integrante desta trupe de desocupados o compositor Adorinan Barbosa, que também está nas telas num documentário primoroso que resgata sua história e sua obra, dirigido por Pedro Serrano. O genial criador passou parte da vida andando pelas becos e botecos do Bixiga, em São Paulo, bebendo, fumando e batucando numa caixa de fósforos, observando seus personagens em plena ação. Daí nasceram “Trem das Onze”, “Saudosa Maloca” e “Iracema”, entre outros. Tal qual Noel Rosa, outro parasita, artista sensível e popular como ele, nunca teve a carteira assinada.

Comparado com outros ministros de linhagem liberal e conservadora que o antecederam no comando da economia, Guedes vai ficar na história como um sujeito iracundo de extrema direita. Há nomes consagrados entre seus antecessores, como Roberto Campos, Otávio Gouveia de Bulhões, Eugênio Gudin, Mário Henrique Simonsen e Delfim Neto. Todos serviram à ditadura. Delfim assinou o AI 5, mas nenhum ostentou seu cinismo, arrogância e desprezo contra a maioria da população.

“Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, também esteve no topo da polêmica da disputa pelo Oscar de melhor documentário. O valor histórico e documental do filme está em que nos alerta para os riscos que voltam a ameaçar a democracia brasileira. Por isso foi tão contestado pelos apoiadores do governo autoritário de Bolsonaro. E por contribuir também para a disseminação de ações políticas e culturais que fortaleçam a sociedade e as instituições na garantia do estado democrático de direito.

*Jornalista e escritor