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Capuz nunca mais

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Nestes oito primeiros meses de um ano de retrocessos, vilanias e poucas alegrias, vivemos no Brasil atormentados pelo risco de voltar aos tempos em que nos enfiaram um capuz na cabeça, nos prenderam e bateram, censuraram nossos livros e filmes, tiraram nossa liberdade e mandaram muitos para o exilio. Se o Ibope ou o Datafolha perguntarem hoje para os brasileiros numa pesquisa o que acham da ditadura, a grande maioria rejeitará. Talvez uma minoria de 10 a 15% aprove esse regime e queira repetir aquela época terrível da história, de triunfo do bestial sobre o ser humano.

Esta reduzida parcela constitui o chamado núcleo duro do bolsonarismo, que quer impor a todos sua visão das trevas. O país repele a ditadura, quer preservar a memória de suas atrocidades para não voltar aos tempos em que o capuz fazia parte da indumentária usada pelas pessoas, nos cárceres ou nas ruas, como se fosse um paletó ou uma gravata, um lenço de seda ou uma boina. Homens e mulheres eram obrigados a vestir capuzes invisíveis, metáfora e símbolo de um regime medieval ameaçador, de opressão e violência contra o indivíduo.

A hora não é de medo, mas de enfrentamento. Com a devida licença ao grande Paulinho da Viola, a hora não é de desilusão, como cantado em seu belo samba, “A dança da solidão”: Desilusão/ desilusão/ Danço eu dança você/ na dança da solidão”. O momento é de união. Entrelaçadas as mãos, toda estupidez será vencida, o capuz voltará para o armário, de onde só sairá para um desfile de moda ou nos dias de chuva.

Há tristezas e vazios no dia a dia, jovens continuam sendo assassinados nas ruas. O governador Wilson Witzel, qual um comandante de tropa nazista, quer adotar no Rio um modelo de protocolo de segurança da Segunda Guerra, formalizando sua declaração de guerra aos inimigos, os negros e pobres. Nesta semana mesmo, um pedreiro estava trabalhando numa laje na Vila Kennedy quando foi morto com um tiro de fuzil durante operação policial. Na Cidade de Deus, um caveirão do Bope destruiu várias casas ao passar por uma rua estreita. Em protesto, moradores interditaram uma avenida e foram reprimidos.

Sucedem-se pequenos e grandes atos de resistência e mobilização espalhados pelo país. São Paulo e Rio realizaram manifestações de protesto e defesa da democracia. Com o palco lotado, foi lançado na última segunda feira, dia 2, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o Tuca, o “Movimento Diretas Já – Fórum pela Democracia”. Presentes lideranças de 16 partidos políticos, representantes do candomblé, movimentos religiosos, igrejas e rabinato. Falaram Noam Chomsky, filósofo e ativista, e o cardeal D. Cláudio Hummes, pela CNBB. Parecia ato contra a ditadura nos sombrios anos 1970, depois do assassinato de Wladimir Herzog.

Um dia depois, no Rio, a ABI voltou a sediar um ato com grande público, agora em dobradinha com a OAB. Um grupo diversificado da sociedade, juristas, intelectuais, ex-ministros, professores, artistas, estudantes e militantes foram ao histórico auditório para simplesmente dizer Ditadura Nunca Mais. Aplausos prolongados para Bruna da Silva, moradora do Complexo do Alemão, mãe do adolescente Marcos Vinicius, 14 anos, morto pela polícia de Witzel quando caminhava uniformizado para a escola, e um grupo de estudantes da escola municipal de Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio, levado pelo professor de sociologia Maurício Rossi, para uma aula ao vivo de como se tira o capuz.

Também muito aplaudida Dora Santa Cruz, com um relato sobre a vida promissora e destruída de seu sobrinho Fernando Santa Cruz, assassinado e desaparecido durante a ditadura, alvo de uma estúpida provocação de Bolsonaro contra seu pai, Felipe Santa Cruz, presidente da OAB. A atriz Zezé Morra encerrou o ato com uma emocionada interpretação da canção “Senhora da Liberdade”, de Nei Lopes e Wilson Moreira, que virou hino durante a ditadura, cantada em coro com a plateia.

A síntese da tarde-noite pode ser resumida numa frase do ex-ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, de conclamação para a resistência: “É hora de acordarmos e dizermos basta”. Bolsonaro atingiu em setembro o pico de sua reprovação, que passou de 33% para 38”.

*Jornalista e escritor