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Um governo suicida em guerra com o país

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A história deu um passo à frente nesta quarta-feira festiva de grandes manifestações. O governo Bolsonaro declarou guerra à educação, ao saber, ao conhecimento, às artes, aos ambientalistas, aposentados, estudantes, professores, negros, índios e gays. Aos homens e mulheres que vivem do trabalho e têm ou tinham um emprego e um salário no final do mês. Em meio a tantas frentes de ataque, decidiu partir com todas as armas para cima das universidades, disposto a inviabilizar seu funcionamento ou fechá-las. Incendiou o país e viajou para Dallas, no Texas, para receber um título que Nova York lhe negara. A resposta nas ruas mostrou que a conjuntura mudou.

Em outro front, suas tropas divididas se digladiam numa guerra interna devastadora. Pelo menos três correntes disputam com ferocidade o controle do poder central. A familiar-fundamentalista, do pai, os três filhos e parte dos evangélicos, orientados pelo agitador escatológico Olavo de Carvalho, o falso Trotsky. Esta é também conhecida como a turma do porão. A dos milicianos do escritório do crime, com a qual está associado um dos filhos do capitão, e a corrente dos oficiais militares das forças armadas, capitaneada pelo vice Hamilton Mourão, sua sombra. Trocam golpes baixos e xingamentos pelas redes sociais.

O condestável juiz Moro, o denominado superministro da Justiça Sérgio Moro, foi a última vítima desta guerra travada nas trincheiras. Atingido e quase posto fora de combate por um balaço disparado pelo próprio presidente no último fim de semana, em plena praça pública. O ministro já vinha sofrendo acentuado desgaste com a perda de poderes na estrutura do governo. Percebido que ele entrara em disputa com o chefe no reduzido grupo de áulicos e familiares, a sentença foi dada.

Segundo a tradição da literatura política do século XX, pode-se dizer que Moro “caiu em desgraça”. À semelhança do que ocorria nos antigos regimes comunistas do Leste europeu, quando um ministro ou membro destacado do aparelho estatal ameaçava a liderança do grupo familiar, ele era sumariamente afastado. De uma hora para outra o amigo e confidente do czar sumia de cena. Podia ser enviado para um campo de recuperação, levar um tiro numa emboscada noturna ao chegar em casa depois de uma reunião do Partido, ou ser preso e acusado de traição. Para todos os efeitos, caíra em desgraça.

Ainda é cedo para dizer como o ministro da Justiça se sairá. Bolsonaro abriu o jogo numa entrevista ao anunciar que indicará Moro para o Supremo Tribunal Federal. Tornou público um acordo secreto e pessoal entre eles, revelando que acertaram um compromisso de que a primeira vaga a ser aberta na Corte estará à disposição do juiz, que abriu mão 22 anos de magistratura. Esta será a vaga decorrente da aposentadoria do ministro Celso de Mello, daqui a um ano e sete meses.

A punhalada do presidente deixou clara a interpretação de que houve uma barganha: ele queria o famoso juiz da Lava Jato como ministro da Justiça e o juiz realizaria o sonho de vestir a toga e sentar no plenário do Supremo. Ou seja, Moro não viria para o governo para dar sequência a seu projeto de combate à corrupção. Embaraçado, o ministro não confirmou o acordo. É certo que ainda dispõe de balas para manter o tiroteio. Por seu ministério passam as investigações sobre as relações da família Bolsonaro com as milícias chegadas ao senador Flávio e seu testa de ferro Fabricio Queiróz, que já tiveram o sigilo bancário quebrado.

As cenas que se sucedem em nossa frente com traições, milicianos e liberação de armas são típicas de um faroeste americano. Fazem lembrar o premiado western de John Sturges, “Gunfight at the O.K. Corral”, aqui “Sem lei e sem alma”, com os astros Kirk Douglas, Burt Lancaster e a ruiva Rhonda Fleming. Baseado num episódio real passado no Arizona, o filme celebra a eternidade de um momento, com uma intensa troca de tiros entre homens da lei e cowboys bandidos.

Vaidoso, Moro chegou ao governo na condição de herói sagrado pela mídia por suas ações espetaculares na condução da Lava Jato no Paraná. Seu maior feito foi a prisão de Lula, tirando o petista da disputa presidencial, da qual era o favorito. Bolsonaro ofereceu-lhe um prêmio, mas as relações desandaram neste início de governo.

Talvez Moro tenha sido extremamente ambicioso a ponto de colocar em risco sua ida para o STF. Se o castelo ruir, e o cenário agora passará a depender também do ritmo dos protestos de rua, lhe restará a consolação de se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, a ABL, com o apoio certo de sua “conge”. A casa fundada por Machado de Assis tem sido magnânima na recepção de novos membros.

*Jornalista e escritor