ENTRE REALIDADE E FICÇÃO
Apologia à tortura e ao estupro, os crimes do capitão perante a História
Publicado em 23/06/2023 às 11:00
Alterado em 23/06/2023 às 11:00
São incontáveis e de tipificação variada os crimes atribuídos ao capitão reformado do Exército e ex-presidente Jair Bolsonaro, que começam a ser julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Da morte de indígenas e destruição de florestas ao genocídio da negação da vacina, racismo e o contrabando. Há um Dossiê circulando na internet, realizado pelo projeto Capivara, com a classificação e a descrição de cada uma das condutas potencialmente criminosas do líder da extrema-direita.
Excedeu todos os limites. Dezenas de crimes, de natureza eleitoral ou criminal, catalogados nas áreas de pandemia, de corrupção e de ódio. Uma característica comum a todos é o emprego da mentira, da virulência, do desprezo, da crueldade, da vilania, da traição, do abuso de poder e da falsificação de dados. Defensor de uma ditadura militar, implantou o obscurantismo e o desprezo pela democracia como práticas de governo. Derrotado nas urnas, mobilizou militares para tentar um tosco golpe de estado.
O alarmante e deprimente espetáculo do fracasso da intentona de 8 de janeiro serviu também para revelar outro atributo de sua personalidade: a covardia. Depois de incentivar e conduzir seus cúmplices e aliados, abandonou-os na hora em que as investigações estavam avançando para comprovar sua participação.
No celular de seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, a PF encontrou provas do complô tramado com oficiais do alto comando do Exército. No de seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, uma minuta do andamento golpista.
Pelo festival de ilegalidades e contravenções cometidas publicamente, sua situação tornou-se indefensável, e os juízes deverão condená-lo. Ficará inelegível por oito anos. No processo em curso no TSE reuniu embaixadores de mais de 40 países, usando o aparato oficial da presidência, para atacar o sistema eleitoral brasileiro e defender o voto em papel. Deu ao mundo o recado de que não aceitaria o resultado das eleições.
Condenado por abuso de poder ficará inelegível, mas o bolsonarismo permanecerá ativo no cenário político, livre para ações de sabotagem e oposição ao governo Lula, em manobras com seus aliados das milícias e do Centrão. Contidos com os fuzis do golpe nas mãos, os militares continuarão uma incógnita. Precisam ser exemplarmente punidos pelo 8 de janeiro, para que se limitem a cumprir o que manda a Constituição.
No decorrer das investigações e com o andamento dos processos, o destino de Bolsonaro poderá mudar. Seu grande pavor é ser mandado para a cadeia e vestir o uniforme de presidiário. Nem seu amigo Trump o visitará. O julgamento de suas ações criminosas segue na pauta do Judiciário e deverá se prolongar pelos próximos anos.
Num mundo em que a inteligência artificial e novas tecnologias ameaçam o domínio do homem no planeta, um capitão da reserva do Exército brasileiro pode ser condenado por ter feito, em sua gestão na presidência da República, a apologia de duas aberrações medievais, a tortura e o estupro.
Bolsonaro defendeu com plena convicção e em várias situações o uso da tortura no interrogatório de presos políticos, prática institucionalizada pelo Estado militar terrorista. Com o mesmo vigor defendeu estupradores que violentam as mulheres.
Na noite do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, usou o microfone do plenário da Câmara para gritar que dava seu voto em memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o major Tibiriçá, torturador de Dilma e o mais notório dentre os militares que assassinaram prisioneiros durante a ditadura. O conselho de Ética da Câmara dos Deputados abriu processo contra o deputado, que foi denunciado à ONU.
Bolsonaro protegeu e abraçou Ustra e sua família, que respondem por outros dois crimes. O Superior Tribunal de Justiça tem na pauta recurso de processo em que ele foi condenado pelo assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino, em julho de 1971, nas dependências do Doicoidi de São Paulo, então comandado pelo major Tibiriçá.
Em 2008 tornou-se o primeiro militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça brasileira, numa ação declaratória impetrada pela família Teles, que o acusa do sequestro e tortura de César Teles, Maria Amélia (Amelinha) e Criméia, junto com duas crianças, Janaina e Edson, de 4 e 5 anos. Ustra é o modelo e herói de Bolsonaro, um torturador nato, que também se dedica a fazer o elogio do estupro.
O STF acaba de enviar à primeira instância o segundo processo contra ele por incitação ao crime de estupro. Em dezembro de 2014, numa discussão com a deputada Maria do Rosário, do PT, no plenário da Câmara dos Deputados, usou de toda a virulência de seu ódio para berrar que ‘só não a estupraria porque ela não merecia.” Declaração repetida no dia seguinte ao jornal Zero Hora.
Foi processado pelo Ministério Público e pela deputada. Ao deixar a presidência, os processos foram enviados à Justiça do Distrito Federal. O que o torna também réu por incitação ao estupro, prática abjeta combinada com a tortura nos calabouços da ditadura.
*Jornalista e escritor