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Eleição racha ao meio o império americano

JB -
Álvaro Caldas
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Ultimamente o tempo tem passado muito depressa e as mudanças são bruscas, verdadeiras rupturas. São ondas avassaladoras que devastam, assustam e matam, com tendência em seguida a perder forças e a mudar de rumo. Não se sustentam por muito tempo. A História tornou-se impiedosa e não se faz mais como antigamente, quando o tempo corria devagar, um século era um século. Também não segue em linha reta, ascensional, rumo ao progresso, a uma formação mais avançada sucedendo a anterior, como ensinavam os antigos manuais comunistas.

Com tantos terremotos imprevisíveis em curtos espaços de tempo, temos a sensação de que tocou o foda-se na História. Uma eleição nega a anterior. O cidadão vacila, é empurrado pelas ondas. A eleição presidencial americana é um destes sinais. A municipal brasileira que se aproxima, ensaio para a presidencial em 2022, outro. Analistas e jornalistas dos mais respeitados jornais do mundo consideram que o império americano rachou. Não pela adoção do terraplanismo, mas por uma sucessão de crises e retrocessos deflagrados pela presidência de Trump, agravados pela segunda onda da pandemia, que ele negou como seu imitador Bolsonaro.

Com o país dividido ao meio, fragilizado e com graves fraturas emocionais devido a um antagonismo exacerbado, a economia americana enfrentará meses turbulentos após a mais disputada eleição de sua história. Acontecimentos recentes mostram uma elevação dos confrontos e atos de violência nas ruas, com o ativismo crescente de movimentos como o Vidas Negras Importam. A senadora negra e vice-presidente Kamala Harris é figura de destaque neste movimento. Ao mesmo tempo, estatísticas revelam que o americano, cada dia mais inseguro, busca proteção no seu arsenal guardado em casa. Nunca se vendeu tantas armas.

Antes que o peru de Natal seja servido, o democrata Joe Biden já terá sido consagrado como o grande vencedor, tanto no voto popular como no colégio eleitoral. Com 72 milhões de votos na mais concorrida e disputada eleição americana, Biden superou a votação recorde de Obama em 2008. O resultado oficial vai demorar alguns dias ou semanas para ser proclamado. Mas o ambiente de alta tensão decorrente da disputa eleitoral e das milhares de mortes pelo Covid 19 tende a aumentar.

O país caminha para uma crise institucional imprevisível, uma das maiores de sua história. Sentindo o cheiro da derrota logo no início da apuração, Trump denunciou fraude na contagem dos votos, questionou os votos antecipados dados pelo Correio e convocou seus advogados para recorrer à Suprema Corte. Como Aécio Neves derrotado por Dilma Rousseff na eleição de 2014, tentará uma virada de mesa. Ao judicializar o resultado não aceitando a derrota, cria um clima de instabilidade política, que será agravado pela turbulência econômica em que o país se encontra. O ataque de Trump é uma afronta à democracia americana. Contesta sem provas o resultado eleitoral, acirra a divisão e alimenta o ódio.

O eleitor americano compareceu em massa desta vez e voltou a sentir o temor de mais uma frustração com o sistema do Colégio Eleitoral. Ao final não é o seu voto que decide, mas sim o do Colégio com sua complicada engrenagem, como aconteceu na disputa anterior em que Trump venceu Hillary em 2016. Com a arrogância de Trump e seus arroubos, o gigante imperialista, baluarte da democracia liberal, vem perdendo autoridade. A ponto de se aproximar do folclore das denominadas republiquetas latino-americanas, países que sofriam golpes de estado frequentes e mudavam de presidente, conforme os interesses e o desembarque de tropas do poderoso Tio Sam.

A derrota do trumpismo terá um enorme valor real e simbólico em várias frentes da política internacional, passando do comércio ao meio ambiente até o aquecimento global, atingindo diretamente seus apaixonados seguidores, Bolsonaro o mais íntimo deles. A disputa municipal brasileira no dia 15 próximo sofrerá em sua reta final a influência significativa desta queda. Uma eleição que já é peculiar pela pandemia, redução dos debates, fragmentação dos partidos e centenas de candidatos desconhecidos.

Pesquisas indicam que a lógica da polarização, que estigmatizou o PT e deu ampla vitória a Bolsonaro e sua trupe conservadora, não será repetida nesta eleição. Ao contrário de 2018, a onda antipolítica perdeu fôlego e os candidatos bolsonaristas patinam, especialmente nas capitais. Em apenas 3 de 26 cidades eles aparecem à frente nas pesquisas. Por sua vez, a esquerda fragmentada mantém seu processo de autofagia, disputando votos entre seus candidatos no Rio, São Paulo, Salvador e outras cidades.

O cenário político nos grandes centros não é mais favorável às duas maiores forças eleitorais, o bolsonarismo e o petismo. Em seu Balaio, o jornalista Ricardo Kotscho, amigo e ex-assessor do presidente Lula, escreveu que “aos 40 anos o PT chega às eleições envelhecido, sem votos e sem rumo”. E sem o seu líder maior. Os novos ventos da História, impulsionados pela reviravolta na América, devem mudar as estratégias dos partidos para a eleição presidencial de 2022. Prevê-se o enfraquecimento dos movimentos populistas em todo o mundo.

*Jornalista e escritor