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Evolução do tratamento das obstruções coronárias

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Venho há muitos anos acompanhando a evolução do tratamento da doença coronariana, maior causa de mortes no mundo e também no Brasil, as condutas veem se aprimorando e os estudos ajudando cada vez mais no descobrimento do que é melhor para cada paciente.

Mudanças têm ocorrido com a revelação de novas pesquisas.

Pelos idos dos anos 70/80, o tratamento para obstruções de artérias coronárias maiores ou iguais a 70% era cirúrgico, não importando se em uma ou mais artérias, as famosas pontes de safena, quando se “by passava” (by pass) a obstrução com uma veia safena retirada da perna e jogava-se sangue adequadamente após o segmento com problemas. Esta técnica foi aperfeiçoada com a utilização das artérias mamarias, com maior confiabilidade e durabilidade. Era o auge do prestigio dos cirurgiões cardíacos.

A vida seguiu e um suíço-alemão chamado Andreas Gruntzig (com quem tive o privilégio de conviver) trouxe uma técnica chamada angioplastia, que consistia em alcançar a lesão através de uma sonda com um balão na ponta e, na posição correta, insuflá-lo e esmagar a placa de gordura, permitindo e normalização do fluxo sanguíneo.

Nos primeiros tempos, esta técnica era indicada somente para lesão em uma artéria, e depois expandida para várias no mesmo paciente. O problema que aconteceu foi um alto índice de reobstruções com o aumento das indicações. Era o inicio do protagonismo absoluto dos hemodinamicistas, cardiologistas especializados neste procedimento.

Para sanar o problema das obstruções recorrentes após a angioplastia, a técnica evoluiu para que o balão não só esmagasse a placa mas também a mantivesse aberta com a aplicação de uma espécie de molinha chamada STENT. Os primeiros resultados mostraram uma eficácia melhor do que só com o balão, mas com o passar do tempo viu-se que ainda tinham índices de reobstruções altos para determinados tipos de placas e pacientes. Surgiram os STENTs com um remédio a ser liberado ao longo do tempo para evitar os problemas de reestenose, os STENTs farmacológicos que, ao longo do tempo, foram melhorando sua estrutura e procurando o tipo de droga mais eficaz para seu objetivo de manter a artéria aberta. Este foi o auge do protagonismo dos hemodinamicistas.

Concomitante a isto, alguns estudos mostravam que fora de um evento coronariano agudo - o infarto do miocárdio -, para alguns pacientes o tratamento somente com remédios, atividade física regular, boa alimentação, não fumar e manter o peso em níveis adequados, poderia ser tão eficaz quanto a cirurgia ou o implante de STENTs.

Os medicamentos também evoluíram ao longo todo tempo, bem como suas indicações. A adesão dos pacientes aos tratamentos também melhorou, com a compreensão de que esta doença não tem cura e que a ausência de sintomas não é sinal de que está tudo bem.

Há poucos dias, foram revelados os resultados de um estudo comparando cirurgia, implante de STENTs intracoronárias ou emprego somente de medicamentos e melhora dos hábitos de vida em pacientes de risco um pouco mais alto, e não foi encontrada diferença em relação a mortalidade, novos infartos ou internações.

Voltamos o protagonismo do tratamento desta doença para os cardiologistas.

Claro que os casos devem ter seu tratamento individualizado, muitos ainda vão ter como melhor opção de tratamento a cirurgia cardíaca ou a implantação de STENTs, mas certamente não todos.

A medicina evolui às vezes com uma rapidez incrível, e muita coisa está por vir e já em fase avançada, mas quando olho para trás e vejo que o tratamento da fase aguda do infarto é hoje quase o contrário do que se fazia há 30/40 anos, não havendo dúvida do protagonismo nestes casos do cateterismo cardíaco seguido muitas vezes de implante de STENT, tenho certeza de que não existe verdade definitiva na medicina, e que temos que estar sempre atentos aos pacientes, que não são iguais, e à evolução constante da ciência.

Bom deixar claro que em quaisquer das situações haverá a necessidade do uso de algum tipo de medicamento, não havendo qualquer método que substitua o uso de remédios, e principalmente que o tratamento indicado possa prescindir da atividade física regular, na maioria dos dias da semana, de uma alimentação adequada que, muito mais, mostre alimentos que devem ser preferidos ou consumidos em maior quantidade, em relação a outros que devem ter seu consumo diminuído - do que serem preteridos em definitivo.

* Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Mestre em Cardiologia pela Universidade Federal Fluminense / Fellow of The American College of Cardiology / Fellow da European Heart Association www.carlosscherr.com.br