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Hoje é sábado

Reprodução -
Época de Ouro
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Macaque in the trees
Época de Ouro (Foto: Reprodução)

Mais de 15 dias depois do mais severo confinamento ao qual me dedico com afinco, sento-me na varanda para ouvir o CD Época de Ouro – de Pai Para Filho (Kuarup).

Fundado por Jacob do Bandolim, em 1964, o Época é integrado hoje por Antonio Rocha (flauta), Celsinho Silva (pandeiro), João Camarero (violão de sete cordas), Jorge Filho (cavaquinho), Luiz Flávio Alcofra (violão de seis cordas) e Ronaldo do Bandolim. O trabalho atual, só de inéditas, foi idealizado e produzido por Celsinho Silva e Jorge Filho.

Contudo, distraio-me, pois me vem à cabeça a matéria que li no jornal de ontem: “Alguns países anunciam estar perto do remédio que pode curar a covid-19”. Aquilo mexeu comigo. Pela primeira vez em muitas semanas senti que pode haver uma maneira de livrar o mundo do vírus invisível. A perspectiva me alentou.

Volto à faixa 1 do disco: “Bolinha de Cristal” (Juventino Maciel), um choro com pinta de eterno. Tudo que o gênero precisa para ser perene ele tem: flautas, pandeiro, violão de seis e sete cordas, cavaquinho e bandolim. O arranjo de Ronaldo do Bandolim é tudo de bom.

Foi antes de ouvir a faixa 3 que me dei conta de que já incorporara o isolamento social como modo eterno de viver – até este sábado eu via como inevitável conviver com o vírus pelo resto de minha vida.

A covid nunca iria embora numa boa, pois ela estaria para sempre entre nós, como uma visita que chega sem avisar trazendo malas e cuias. Como a tal visita, o vírus viera para ficar – deve ter gostado do presidente, sei lá...

Voltei às faixas 2 (arranjo de Ronaldo do Bandolim) e 3 (arranjo de Jorginho do Pandeiro e Jorge Filho), e mais uma vez ouvi choros emocionantes e emocionados. Aliás, belos choros e chorinhos têm o poder de me fazerem feliz, pincipalmente numa manhã vadia de céu azul.

E meu pessimismo foi se alastrando: nunca mais cantar para quem sempre me ouviu cantar; nunca mais uma cerveja no bar da esquina; nunca mais assistir um jogo do Flamengo ao lado dos meus filhos...

Tentei afastar o baixo astral. Para tanto me concentrei nas faixas 4 (arranjo de Antonio Rocha), 5 (arranjo de Cristóvão Bastos) e seis (arranjo de Ronaldo do Bandolim)... Olha só, vou dizer uma coisa pra vocês: tão deprê? Tão com medo? Pois seus problemas acabaram, basta descobrirem o remédio que cura o vírus... e ouvir o novo álbum do Época de Ouro. É pá pum!

Mas nada é tão ruim que não possa piorar... haverá, isso sim, legiões de seres humanos que se acostumaram com a solidão e por ela se enamoraram, amando uma não-vida. Será?

Cada choro tem seu suingue e cada um vem a mim de forma única. Assim é com as faixas 10 (arranjo de Ronaldo do Bandolim), 11 (arranjo da moçada do Época) e 12 (arranjo de Antonio Rocha).

O choro do Época tem cor. O choro do Época tem olhos. E, principalmente, o choro do Época tem alma! E é quando a alma do choro do Época se aproxima da gente que ela cativa a nossa.

E voltei a ouvir cada uma das faixas que me fizeram feliz...

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4