ASSINE
search button

Um Quixote pós-moderno

Reprodução -
Capa do CD de Odair José
Compartilhar

Quando alguns dos seus sucessos ultrapopulares foram avassaladores, Odair José teve apelidos pejorativos, vindo a ser tratado como “terror das empregadas” e “rei do brega”, alcunhas discricionárias para um compositor libertário.

Macaque in the trees
Capa do CD de Odair José (Foto: Reprodução)

Hoje, a veia roqueira de Odair José segue aguçada. Ao contrário do som de seus dois CD anteriores, quando contou com poucos músicos, desta feita são oito os instrumentistas que gravaram o recente “Hibernar Na Casa Das Moças Ouvindo Rádio” (Monstro Discos), seu terceiro disco no qual o rock é o guia.

“Hibernar”, “A Casa das Moças” e “Ouvindo Rádio” são as músicas que abrem a tampa. Odair ajuntou os três títulos e com eles nomeou o CD. O álbum tem participações especiais: Assucena Assucena e Raquel Virginia, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira e de Jorge Du Peixe e Toca Ogan, integrantes da Nação Zumbi. Todos engajados com Odair José, um Quixote pós-moderno.

Luiz Thunderbird abre o disco encarnando um “locutor de rádio”, num som “de lata”, “explicando” qual é a da parada que ainda vai rolar. Logo após estão as três músicas.

Nas letras de Odair José não há banalidades. Ou melhor, até pinta uma ou outra, mas duram apenas o breve tempo de uma pedra rolar. Pois em tempos de servidão, a frase antecipa os troços, mas não sem antes o poeta escrever sobre o artefato que explodirá no átimo de um tempo que antecede a dor.

Hoje, a cabeça do poeta pulsa firme em versos roqueiros:

“Hibernar”: “Vou me hibernar por um tempo/ Me avise quando a cena mudar/ O mundo está de ponta cabeça/ Espera ele se aprumar (...)”;

“Casa das Moças”: “(...) Nessa casa das moças/ A oferta é o prazer (...)”;

“Ouvindo Rádio”: “(...) Ouvindo rádio/ O rádio é magia/ Ouvindo rádio/ É só fantasia (...).

Arranjos coletivos, calcados em riffs de guitarra, com baixo e batera marcantes, e com trompete e trombone dando à luz rocks e blues, todos pontificando ao longo de pouco mais de 32 minutos, durante os quais Odair entrega sua alma de cidadão contestador aos antigos e aos jovens fãs. Exercício de desprendimento digno de um compositor consciente e identificado com a cultura de seu povo.

Eis que o caminho do rock’n’roll abriu-se à sua frente, e ele não teve dúvida, caiu dentro. Suas músicas seguiram tendo figuras do dia a dia como personagens; e os versos, pedindo novas poéticas, ele os usa com sinceridade.

Para vesti-las com o mesmo desígnio das letras, o roqueiro percorreu caminhos até então pouco navegados, trazendo à tona harmonias eficazes. Não é exagero dizer que a mudança foi tão audaz quanto benéfica para Odair, posto que permitiu vir à tona a sua abrangente visão musical, que dormitava em sua caixola.

Admiro a transformação conceitual que permitiu a Odair José trilhar novos rumos composicionais. E se hoje vivemos tempos retrógados, temos o seu rock’n’roll instigando a rebeldia contra o arbítrio e a caretice. Some-se isso ao desejo de consagrarmos liberdades democráticas... Sim! Há esperança num futuro melhor.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4.

* vocalista do MPB4