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Na mira de Bolsonaro

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Antes de mais nada, é preciso repetir a advertência de Tereza Cruvinel em seu texto de despedida do Jornal do Brasil: “Neste momento político tão incerto e insólito, é grande a responsabilidade de jornais, jornalistas e de todas as mídias livres diante de um governo autoritário, anticultural e avesso ao contraditório”. Sempre aguda em suas análises, Tereza acertou na mosca. Imprensa e jornalistas têm um papel importantíssimo a cumprir nesses dias sombrios que se iniciam. Cabe-lhes acompanhar os passos do governo Bolsonaro com imparcialidade, mas sem se intimidar diante de ameaças à Constituição e dos abusos de autoridade. Há que fazer respeitar a liberdade de expressão. O jornalismo é crítico. Goste-se disso ou não.

Os Bolsonaro, como está mais do que evidente, não nutrem simpatia por nossa atividade. Basta ver o tratamento que dispensaram aos jornalistas na cerimônia de posse. O evento oficial só começaria às 15 horas no Congresso, mas repórteres e fotógrafos tiveram que se apresentar no Centro Cultural Banco do Brasil às 7 horas da manhã do dia 1º de janeiro. Lá ficaram sem ter onde sentar e sem poder se alimentar. O grupo que foi levado para o Congresso permaneceu horas sem poder ir ao banheiro e sem água para beber. Obviamente, as condições degradantes não aconteceram por acaso. Foram impostas de modo pensado.

Não há sombra de dúvida: o governo Bolsonaro tem ojeriza ao trabalho da imprensa. E se dúvida ainda houver, basta ler o que o vereador Carlos Bolsonaro, filho predileto do presidente e responsável pela mídia social do pai, vem dizendo a nosso respeito em seus posts no Twitter. Do alto de sua arrogância, ele faz agressões quase diárias. Nos chama de lixo da mídia e de boçais. Eis um de seus comentários: “Aloooo imprensa marrom, não preciso de olhos para ficar próximo de meu pai! Falo com ele todo dia e sempre que posso estou ao seu lado fisicamente! Que papo boçal! Mesmo que vocês insistam em brigas internas nada mudou dentro de casa! A mamata de vocês vai acabar!”. E por aí vai o raivoso vereador. É tanta sua agressividade que leva a desconfiar de algum trauma: será que o rapaz queria ser jornalista, mas foi impedido por Bolsonaro? Será que foi reprovado no vestibular para Comunicação?

O certo é que a família Bolsonaro não gosta da imprensa e também odeia professores e o meio acadêmico, em geral. Eles são adeptos da filosofia barata de Olavo de Carvalho, guru da extrema-direita. Veem no pensamento marxista o mal maior da humanidade, como se vivessem na época da Guerra Fria. E atiram sem dó no velho barbudo, cujo nascimento completou 200 anos no ano passado. Karl Marx, porém, resiste aos tempos e é referência obrigatória para historiadores e economistas, sejam de esquerda ou de direita. O todo poderoso ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, costuma citar o 18 Brumário. E não perde seu tempo com o besteirol de Olavo.

Se os jornalistas estão comendo fogo, os professores que se preparem para a sanha bolsonarista. Também serão tratados como inimigos. O colombiano que assumiu o Ministério da Educação vai intervir no ensino médio e nas universidades. O pacote não foi fechado, mas a nomeação de Murilo Resende, discípulo de Olavo, para coordenar o Enem mereceu comentários do presidente no Twitter. Segundo ele, será abandonada a “doutrinação” em sala de aula. Seu filho caçula, Eduardo Bolsonaro, foi ainda mais enfático: “Atenção professores: seu aluno que inicia agora o 1º ano do ensino médio não precisa saber sobre feminismo, linguagem outras que não a língua portuguesa ou história conforme a esquerda, pois o vestibular dele será em 2021 ainda sob a égide de pessoas da estirpe de Murilo Resende”.

Como se vê, o governo Bolsonaro é refratário a tudo que se refere ao livre pensamento e não pretende deixar pedra sobre pedra na Educação. Circula na internet uma minuta de decreto que propõe a adoção do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distritais. E, por assustador que pareça, afirma, no art. 15, que o governo vai “acompanhar e avaliar as atividades desenvolvidas pelo Colégio Pedro II”. Portanto, o colégio de forte tradição humanista, fundado em 1837, está na mira da reação. Querem enquadrá-lo ao obscurantismo da família Bolsonaro. Tirem suas mãos do Pedro II, que tem o livro como escudo e, como arma, a inteligência! E saibam que jornalistas e professores vão resistir!