ASSINE
search button

Que jornada, Bolsonaros!

Reprodução de internet -
Bolsonaro com os filhos, Flavio (senador pelo Rio), Eduardo (deputado em SP) e Carlos (vereador no Rio)
Compartilhar

Macaque in the trees
Bolsonaro com os filhos, Flavio (senador pelo Rio), Eduardo (deputado em SP) e Carlos (vereador no Rio) (Foto: Reprodução de internet)

Um querido amigo jornalista que nos deixou antes da era Bolsonaro tinha uma expressão lapidar após um dia ou uma semana de grandes matérias em jornal – estávamos em “O Globo” na época: “Que jornada Baudelaire!”.

Lembrei-me dele ao repassar as últimas semanas do clã Bolsonaro. Decididamente, o jogo não anda favorável para o chefe do clã, o presidente da República Jair Messias Bolsonaro e seus filhos 01 (senador Flávio Bolsonaro), 02 (vereador Carlos Bolsonaro) e 03 (deputado federal Eduardo Bolsonaro).

O cerco da Justiça, que corre paralelo às investigações da CPMI das “fakes news”, pegou em cheio os três filhos e a teia de colaboradores e financiadores das atitudes e pregações antidemocráticas contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Os desdobramentos do caso podem espirrar para as investigações do Tribunal Superior Eleitoral sobre uso de robôs e financiamento disfarçado da campanha eleitoral de 2018.

Em meio a este cerco, veio um revés pessoal para o presidente que desde o início da pandemia do novo coranavírus, o covid-19, desdenhou do seu impacto sanitário. Dizia que era uma “gripezinha”, ecoando seu ídolo Donald Trump que dizia que o vírus seria “um nada para os Estados Unidos”.

Pois os EUA estão com 3,1 milhões de pessoas contaminadas e quase 135 mil mortes. Mas o vírus microscópico segue desafiando o poderio bélico da nação mais poderosa do Planeta e opera insidiosamente onde os controles de isolamento foram afrouxados, como na Flórida e no Texas, e tem contaminado mais 69 mil pessoas em 24 horas.

Aqui no Brasil, que caminha para 2 milhões de pessoas comprovadamente contaminadas (e quatro ou cinco vezes mais) que perambulam, e 72 mil óbitos, a vítima foi o próprio presidente que sempre solapou as medidas de isolamento. A gripezinha o pegou e ele recorreu ao uso da cloroquina, combinada com azitromicina, um antibiótico poderoso. Apesar da pouca empatia que teve com os primeiros mil mortos e avanço das estatísticas que deixaram milhares de famílias dilaceradas, todos torcem pela sua recuperação.

Mas todos esperam que a solidão do isolamento forçado no Palácio da Alvorada e as dores da doença modifiquem o comportamento agressivo do presidente, que ignora direitos humanos mais essenciais e sempre desdenhou das teses em defesa do meio ambiente, defendidos pela “pirralha” sueca (Greta Thunberg). Infelizmente, parece que não mudou. Mesmo doente, vetou projeto do Congresso que obrigava o Estado brasileiro – responsável por mais de 750 mil índios que resistem na “terra brasilis”, 510 anos após a chegada do branco português – a fornecer água potável, comida e remédios aos índios. Causou revolta no mundo todo.

Curado ou não pela cloroquina que tanto divulga – uma forma de esgotar o estoque do remédio que obrigou os laboratórios do Exército a produzir em larga escala, e motivo da demissão de dois ministros da Saúde que se recusaram a endossar o protocolo para uso na rede do SUS de medicamento que não teve a eficácia comprovada no mundo, até aqui não mudou o estilo.

Pior para o Brasil que levou cartão vermelho de poderosos investidores internacionais sobre o desleixo como o Brasil cuida do meio ambiente, particularmente da Amazônia, onde o governo Bolsonaro baixou a guarda dos controles ambientais, reprimindo o Ibama e Polícia Federal no combate aos desmatadores e comerciantes de madeira extraída de forma ilegal. Para agravar a ofensa, liberou a mineração em terras indígenas. O conjunto da obra fez surgirem, mundo afora, acusações de genocídio contra os índios brasileiros.

Foi preciso acionar o vice-presidente Hamilton Mourão, coordenador do Conselho da Amazônia Legal, para ouvir, constrangido, ao lado dos ministros da Agricultura, Tereza Cristina, das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma série de queixas e acusações de investidores.

O mundo, antes da pandemia do Covid-19, já elencava a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento sustentável como premissas para aprovação de investimentos. O carão foi repetido na queixa de empresários brasileiros que já vêm tendo a sustentabilidade dos produtos que vendem sendo posta em dúvida nos quatro cantos do mundo. E Mourão teve de dar razão.

Nem parece que os ministros que o acompanharam nas teleconferências eram os mesmos que estavam na reunião ministerial de 22 de abril, na qual o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, teve o desplante de sugerir que todos aproveitassem “que a imprensa está focada na Covid-19 para passar a boiada”, pregando aprovação de medidas antimeio ambiente e direitos sociais que seriam vetadas em discussão às claras com o Congresso.

Pelo visto, Bolsonaro e alguns ministros seguiram a senha, haja visto as mudanças na PF e no Ministério da Justiça e Segurança Pública, com a saída de Sérgio Moro. Mas acontece que o STF agiu de pronto e barrou algumas ações. E o cerco à família se fechou com a prisão do ex-PM Fabrício Queiroz, o faz tudo do clã que operava no gabinete do ex-deputado estadual (PSC-RJ), Flávio Bolsonaro, administrando a devolução de parte dos salários dos funcionários lá lotados (muitos sem lá aparecer ou oferecer desempenho).

Após duas semanas de angústia, o clã obteve uma ajuda do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio de Noronha, que autorizou Queiroz, que faz tratamento contra um câncer, ficar em prisão domiciliar, com tornozeleira, medida extensiva à mulher, Márcia. Por sinal, tão logo saiu a sentença, a sumida apareceu.

Mas o maior revés veio de onde menos se esperava. A rede Facebook baniu quase uma centena de perfis (entre falsos e verdadeiros) de soldados do clã Bolsonaro, para os quais alguns operavam desde 2015. O motivo era a disseminação de fakes news e material ofensivo. Vale dizer que, além dos filhos, havia pessoas empregadas operando em gabinetes no Palácio do Planalto, com salários de quase R$ 14 mil mensais.

Olímpico, Jair Bolsonaro, pelo menos não deixou o ministério da Educação completar um mês acéfalo, desde a ruidosa saída de Abraham Weintraub, em 18 de junho. Há quem diga que o MEC tenha tido chefe, mas faltava cabeça nos mais de 15 meses da gestão Weintraub. Disposto a reerguer a educação no Brasil em duas bases – as escolas militares (que desafiaram o ex-capitão e ficaram em quarentena) e a orientação “terrivelmente evangélica” que pretende dar na vida nacional, inclusive no STF. Tanto fez que acabou encontrando esse personagem, após o fiasco da passagem relâmpago do professor Carlos Decotelli, cujo currículo não era confiável.

Pergunto para quem assistiu ao impactante “Planeta dos Macacos”, de Frankling J. Schafnner, em 1968, e se lembra da posição cínica do Dr Zaius, Ministro da Ciência e da Religião: é possível a ciência avançar livremente quando estiver subordinada aos tabus das religiões?