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Removendo obstáculos

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Talvez seja mais prudente não limitar a defenestração do ministro Mandetta à divergência que vinham robustecendo – ele o presidente – sobre o imperativo do confinamento social ante o progresso incontrolável do coronavírus. O desenlace pode comportar outras particularidades, ainda que o pano de fundo seja a conduta desencontrada do chefe com o assessor para a política sanitária; quase tudo concorrendo para influir nas fases seguintes da política partidária e da sucessão presidencial.

O presidente, que cada vez mais permite aprofundar a convicção geral de que começou a posicionar as peças para o projeto do segundo mandato, deve sentir-se frente à necessidade de desentocar eventuais obstáculos a tal pretensão. É o caso da inconveniência de outros protagonismos, que podem acabar gerando aspirações à cadeira que hoje ele ocupa. A experiência demonstra que frente a óbices dessa natureza melhor que sejam abortados ainda no nascedouro. Sendo assim, convém a Bolsonaro esvaziar sombras dentro do próprio governo. Quanto aos oposicionistas, principalmente em relação ao PT, haverá como lhes dedicar tempo e vagar. Por hora, o presidente nem cuida de atacá-los, porque o alvo são potencialidades emergentes nas forças do próprio governo. É o que todo dia vem se confirmando. Tancredo, cujo 35º ano de morte hoje transcorre, gostava de lembrar que o inimigo, muitas vezes, está na cozinha…

Quando o ministro Moro, combatendo a corrupção institucionalizada, foi eleito pelas pesquisas como detentor da confiança da opinião pública, logo deu-se um jeito de esvaziá-lo, com artifícios que cuidaram de não lhe causar fraturas graves, porque já havia se tornado verdadeiramente uma referência pronto para ser ídolo. Na formulação da química de 2022 o clã bolsonarista deve ter recordado o grande Lavoisier, que foi à guilhotina porque já então a república não precisava de ídolos.

Chegou a vez do ministro Mandetta. Nas duas semanas anteriores granjeara reconhecimentos, também confirmados por pesquisa, quando a opinião pública julgou que vinha praticando um programa eficiente na tentativa de conter o progresso do vírus. Outro incômodo para o gabinete político do presidente, desejoso de caminhar sem ter de esbarrar em novas lideranças. O mote foi tentar atribuir antecipadamente ao ministro, meses antes da chegada das urnas, a culpa pelo empobrecimento e o desemprego da população ativa que ele mandou ficar recolhida em casa. Num fato singular e inédito, a reclusão doméstica recomendada por especialistas de todo o mundo, francamente acatada por Mandetta, foi ostensivamente desautorizada em aparições públicas ao gosto do presidente.

Nada de obscuro na escala de prioridades do plano da reeleição, no qual o alvo aponta para o DEM, onde está o ex-ministro. Sem maior surpresa, pois, tendo se tornado o partido que mais contribuiu com o governo, é exatamente dali que pode surgir a sombra complicadora; a chance de ser alternativa para as forças de direita, onde hoje Bolsonaro pontifica soberano. Também concorre para alimentar essa suspeita, quase uma convicção, o esforço do Palácio para manter reservas em relação aos dois principais democratas que comandam o Congresso: senador Davi Alcolumbre e deputado Rodrigo Maia.

Se possíveis concorrentes podem ser de copa e cozinha, é prudente cuidar logo de ilhá-los, porque em outubro, desde que o coronavírus não mande o contrário, as eleições municipais poderão prenunciar entre as correntes direitistas um cenário que não seja dos melhores para o presidente entrar na segunda fase de seus planos de continuar onde está.