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A Riqueza do Rio

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O que faz uma cidade ou nação empobrecer? E o que provoca a virada da decadência para um novo ciclo de riqueza e expansão? Não há resposta padrão para a queda ou a virada de uma sociedade. Há um concurso de fatores. Está aí a vizinha Argentina a comprovar. Em recente editorial ("Pobre Rio", 30/01/20) o Estadão arriscou perquirir sobre a queda livre do Rio. E foi para o lado político, apontando "38 anos de escolhas mal feitas". O povo do Rio de Janeiro não estaria aprendendo com sucessivos erros na escolha de seus dirigentes. Teria votado mal desde a redemocratização do País. Doença fluminense?

O puxão de orelha deste admirado jornal no eleitor do Rio exige aprofundarmos as razões de escolhas tão malsucedidas. O eleitor não pode ser o único responsável pelo "Rio da pobreza". Lembremos. Fato 1: o Rio foi capital do Brasil por quase 200 anos. Em 1960 virou Estado da Guanabara, quando da mudança da capital federal para Brasília. Teve um ótimo primeiro governador. O povo votou bem. A cidade-estado do Rio sofreu uma revolução urbanística com Carlos Lacerda, cujas obras apoiam até hoje sua sobrevivência. Fato 2: Lacerda, JK e outros grandes gestores ligados ao Rio foram cassados e alijados da política até a morte. As lideranças naturais do Rio foram detonadas. Fato 3: em 1975, num golpe tecnocrático, Geisel realizou a única cirurgia reversa de gêmeos siameses do mundo, ao grudar a Guanabara ao antigo Estado do Rio, sem consulta popular. Os deputados e senadores da Guanabara foram parar no Distrito Federal (Brasília) que, a rigor, não careceria de tais representantes. Foi uma roubada política descarada, coonestada pelos Constituintes de 88. Fato 4: a Constituição de 88, no seu art. 155, excluiu petróleo, energia elétrica e combustíveis da arrecadação pelos Estados produtores, em flagrante distorção do equilíbrio federativo. Fato 5: São Paulo absorveu o talento financeiro sediado no Rio, sua bolsa de valores, seus principais empresários, seu "mercado". Uma política regional equilibradora da Federação jamais existiu nas últimas décadas.

Enquanto São Paulo crescia em autoestima e coesão após derrota na Revolução de 1932, de que fato glorioso o Rio poderia se jactar a fim de prosseguir "votando bem"? O desafio do Rio é perceber que a hora da virada chegou. O povo do Rio - cidade e Estado - tem consciência do tamanho da tarefa. O ponto de virada chega junto com a percepção de fundo de poço. Agora é ativar a riqueza do Rio, que não está só no petróleo e belezas naturais, tanto quanto na força e teimosia de seu povo miscigenado, o que melhor representa o Brasil inteiro. O Rio é espelho do Brasil e assim continuará. Então, é bom para o Brasil que o povo do Rio dê a volta por cima. Os instrumentos básicos disso são conhecidos: segurança efetiva (nisso, o governador Witzel vai muito bem), a ordem pública e a ordem social. Esta última, por um programa de recuperação do território urbano, melhorando a habitabilidade nas favelas mas, sobretudo, dando propriedade definitiva, a alforria econômica e patrimonial, a milhões de cidadãos, os mesmos eleitores que "votam mal", por serem hoje manipulados por migalhas políticas pré-eleitorais dos fora-da-lei.

Mais do que isso: a riqueza do Rio é seu imenso talento, hoje exportado aos montes para a pauliceia, para o interior do País e para o exterior. Em dois mandatos, a saída da estagnação pode ocorrer, para consolidar a permanência dos talentos jovens, de nossas boas escolas e universidades, inclusive as públicas. O Rio também precisa do Brasil, e de São Paulo. O Congresso precisa aprovar um grande pacto federativo, se quiser arrancar os principais atores econômicos (SP, MG, RJ e RS) da síndrome da semi-estagnação. Esses quatro Estados, que detêm 80% da dívida pública subnacional, são a chave para o País voltar a crescer 3% ao ano ou mais. O Rio precisa liderar tal repactuação, nos moldes de um Plano Brady que, nos anos 1980, o próprio Brasil usou com inteligência para superar a crise de dívida externa. Em seguida, o Rio pode liderar uma reforma tributária na Câmara, presidida por um grande carioca honorário, Rodrigo Maia, e corrigir a proposta atual do novo imposto, o IBS. Na proposta atual, 100% do IBS seria recebido pelo Estado ou município de destino da transação. Mas é nos Estados e municípios onde se origina a produção que estão os custos da infraestrutura, os ambientais e de arrecadação. É preciso corrigir a proposta da PEC 45. Por fim, para voltar a cumprir seu papel de janela da Nação, o Rio precisa de São Paulo, cuja autoestima o faz pensar mais rico e poderoso. Nosso destino comum está tão ligado quanto os 400 km da Via Dutra, que deveriam ser percorridos em 3 a 4 horas, no máximo, aproximando nossos talentos ainda mais. São Paulo sendo mais Rio, e o Rio, mais São Paulo, isso fará muito bem ao Brasil.

Paulo Rabello é cidadão da antiga Guanabara. Autor de O Mito do Governo Grátis que relata a virada de vários países