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Municípios inviáveis

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Em ano eleitoral o que sempre se recomenda é que os assuntos polêmicos, capazes de gerar desgastes e controvérsias desnecessárias, fiquem engavetados, e assim permaneçam até que surja momento propício para reanimá-los. Certamente haverá quem recomende tal prudência ao presidente Bolsonaro e aos ministros que ocupam pastas politicamente mais sensíveis. De fato, não faltam razões para esse cuidado, certamente extensivo à recente proposta do governo para a redução do número de municípios, que, após décadas de experiência na autonomia administrativa, mostram-se incapazes de sobreviver, devendo retornar às suas antigas sedes. Mas o assunto fere interesses, além de ser desagradável a munícipes ciosos da dignidade de sua terra, alimentada no convívio com muitos sacrifícios. Se o tema sobe ao palanque da campanha eleitoral que está chegando, as lideranças, vendo seu prestígio testado, podem perturbar o clima no interior, principalmente onde estão as prefeituras prestes a serem riscadas do mapa. Um cenário totalmente inadequado para o momento.

Se seria inconveniente expor o problema ao calor do processo eleitoral, não é aconselhável desconsiderar que a redução do número de municípios precisa mesmo ser avaliada, a começar pelo fato de que 60% dos que ascenderam à autonomia nas últimas décadas assistiram à involução de níveis sociais desejáveis. Respiram, dependentes, apenas com verbas transferidas pelo Fundo de Participação, sempre insuficientes para necessidades básicas da população. Nada diferente do que se tem visto, com maior frequência, no interior do Nordeste. O ex-ministros Paulo Haddad chega a admitir que em tal dependência estão 40% das pequenas prefeituras, onde, além do Fundo, só aportam recursos de modestas políticas compensativas. Na contrapartida, a vida nacional tem demonstrado que municípios fortes correspondem mais aos anseios das populações; diferentemente dos minúsculos, pobres e sem representação política capaz de propor e defender as aspirações locais.

É oportuna a revisão do mapa do municipalismo, a ser elaborada sem atropelos, com base em estudos criteriosos, que tomem por base experiências regionais, tanto as bem-sucedidas como as que resultaram em frustração. Desde a década do século passado, São Paulo revelou, entre as unidades da Federação, certa parcimônia na criação de novas prefeituras, o que conferiu ao governo maiores facilidades para ouvi-las e atendê-las. Quanto a isso caminhou diferentemente em relação a Minas, onde pontuam no mapa 853 municípios. Ali não menos de 300 revelam que não vale a pena a autonomia, quando ela vem carregada de pobreza e perspectivas permanentemente sombrias. Quanto a uma taxonomia mínima nem é bom pensar.

Detalhe interessante, ainda que sinistro, haverá de justificar novos estudos sobre a fartura dessas células geográficas inviáveis. Na última metade do século a transformação de distritos e localidades em sedes municipais resultou de meros interesses políticos de deputados estaduais, desejosos de fortalecer coronéis em redutos rurais. Para atestar, vale rememorar a conhecida franqueza de Hélio Garcia, que governou Minas no período 84-87: com apenas uma canetada ele sancionou duas leis da Assembleia criando 46 novas cidades. “Fui contra, mas assinei, apenas por uma questão de solidariedade com o Legislativo”, confessaria depois, com remorso.

O primeiro critério de avaliação: para permanecer dono de si mesmo, como deseja o presidente, é o município ser capaz de gerar um mínimo de 10% de receitas básicas. Pode ser o primeiro, mas não deve ser o único critério. Ha outros aspectos a considerar, estes também ditados pela experiência histórica, como as identidades culturais e sociais.

Estamos diante de um tema vasto, com inevitáveis resistências paroquiais; mas precisa entrar em pauta, tão logo se assentem as poeiras da campanha eleitoral que já bate à porta.