Suficientes razões há para se admitir que as eleições deste ano poderão oferecer temas para demoradas reflexões, que vão além das disputas de lideranças locais; a começar por contribuírem para expor o crescente empobrecimento dos municípios, velha realidade que se espera amenizada no bojo da futura reforma fiscal. A insuficiência de recursos para a realização de obras tem levado a maioria dos prefeitos a uma avaliação negativa; e a desculpa que terão de oferecer aos eleitores, se de novo candidatos, está na excessiva concentração do bolo tributário nos cofres da União, fenômeno que se agrava, da mesma forma como a concentração de renda distancia as classes sociais num país injusto. Não há prefeito que deixe de se queixar de imensas dificuldades decorrentes da falta de dinheiro, embora todos pretendam querer a reeleição, para confirmar que em política o sadomasoquismo é fraqueza relativa e meramente circunstancial.
Os partidos, ao que parece, também enfrentarão dificuldades para estruturar alianças, com proveitosa antecedência, complicados que estão com as novidades da legislação eleitoral, a começar por impedidos de construir coligações proporcionais, que, antes, interessavam a vereadores com mandato. Agora não se pode mais valer do socorro dos menos votados. Não é segredo que os acordos aliancistas sempre serviram aos mais fortes. Não bastasse isso, as campanhas deste ano vão mostrar às lideranças estaduais e municipais que os dinheiros necessários para viabilizá-las dependem de um tortuoso acesso às cúpulas nacionais. Estas é que gerenciam, sob o império de interesses políticos maiores, os recursos partidários provenientes do financiamento público. Chegar a essas cúpulas, mesmo para delas obter pouco além de migalhas, é algo que não deve figurar entre as tarefas mais fáceis. Depreende-se, graças a essa concentração de decisões nos administradores do fundo oficial, que logo virá a proposta de retorno aos antigos financiamentos privados. Dos males, pelo menos este, por ser menos concentrador na hora da distribuição. É outra questão a compor a pauta dos desafios aos partidos e a quem terá de garimpar votos em outubro.
Inevitável, também parece, que os resultados e as experiências que advirão do ano eleitoral hão de refletir mudanças no cenário de 2022, quando os atores já não serão mais os prefeitos e vereadores esfolados pelas dificuldades, mas substituídos em cena pelos candidatos a presidente, governador, bem como postulantes a cadeiras do Congresso e das Assembleias. Vê-se, pois, que acabamos de entrar num período laboratorial: o que se experimentar agora pode ter repercussão sobre o que virá nos dois anos seguintes. Se convier às lideranças, mudam-se rapidamente as regras vigentes; sem dificuldades, porque em matéria de eleições nossa volúpia legiferante não tem medidas. Não raro dispensando cuidados com o pudor.
Tudo isso, somado ao curto período da campanha (na prática 45 dias), e considerando que o eleitor só se sensibiliza efetivamente depois do ferido de 7 de setembro, o processo de escolha acaba favorecendo a quem já é conhecido, podendo comprometer desejável renovação, além de impor maiores sacrifícios aos que se lançam pela primeira vez. E mais: todos, veterano ou principiantes na disputa, tendo como desafio sobressalente, estarão sujeitos a benefícios ou prejuízos decorrentes da influência do presidente Bolsonaro e do ex-presidente Lula. Eles poderão influir na medida em que a polarização entre suas lideranças se acentuar e motivar.
Se os fatos insinuam que estamos num ano laboratorial, sem ser atípico, resta a convicção de que contribuirá para lançar mudanças no pleito de 2022.