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Águas e mentes muito poluídas

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As águas da estação de Tratamento do Guandu, um dos orgulhos da administração Carlos Lacerda, primeiro governador do Estado da Guanabara, estão ameaçando a saúde de quase 10 milhões de pessoas no Grande Rio, hoje abastecidas pela Cedae. Já se passaram quase 60 anos desde que Lacerda, com financiamento a perder de vista do BID, concluiu as obras de expansão do sistema Guandu e a então Cedag garantiu um dos maiores problemas da então “Cidade Maravilhosa, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz...”. A questão da luz ficava por conta da Light, controlada pelo polvo canadense, e que era presidida por Antônio Gallotti. O polvo canadense geria os bondes – Lacerda trocou-os pelos ônibus elétricos de rápido insucesso – a luz e a telefonia. Para essa, criou a Cetel, que também não atendeu a Zona Oeste da cidade-estado.

Com a fusão, em 1975, à revelia da população carioca e do antigo Estado do Rio de Janeiro, o interventor Faria Lima entendeu que era preciso reforçar o abastecimento hídrico em todo o novo estado. A primeira cidade na qual a Cedae passou a atuar foi Teresópolis. Era lá que, nos fins de semana, boa parte do governo Geisel e o próprio governador curtiam seu lazer. Há muito que a residência de verão do governador na praia de Brocoió, na ilha de Paquetá, está inabitada. Quem se aventuraria a mergulhar nas águas poluídas do fundo da baía de Guanabara, onde são despejados os esgotos de quase 10 milhões de habitantes do Grande Rio?

A Companhia Estadual de Água e Esgoto tem a responsabilidade de fornecer água e de tratar o esgoto da água servida de cada residência ou estabelecimento. Pelo menos é isso que estipula a conta mensal cobrada das residências, condomínios ou empresas. Diga-se que a mobilização de usar a água do Guandu (cujo financiamento foi essencialmente bancado pela população da antiga Guanabara) para as cidades vizinhas da Baixada Fluminense foi de Leonel Brizola, que governou o Estado do Rio de Janeiro de 1983 a 1996 e de 1991 a 1994. Só que a conta cobrada não tinha a contrapartida da prestação do serviço de esgoto. A poluição insolúvel da baía de Guanabara vem do descaso que os sucessivos governos têm pelo saneamento básico.

Rede de coleta de esgoto é obra que não aparece. Resolve o problema preliminar de saúde, tende a diminuir as filas nos hospitais. Mas não chama a atenção. O programa de despoluição da baía de Guanabara, que recebeu verbas do Japão e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), previa mais de uma dúzia de Estações de Tratamento de Esgoto nos municípios que desaguam na baía de Guanabara. Só duas foram erguidas (a de Alegria, no Caju, zona norte do Rio de Janeiro, e a de São Gonçalo, esta incompleta). Criou-se, na área ociosa, a réplica do piscinão de Ramos – o piscinão de São Gonçalo. Pura pirotecnia. A segunda maior cidade do Estado, com mais de 1,1 milhão de habitantes, continua sem redes de coleta e tratamento de esgoto e com o piscinão fechado há alguns anos.

Há cerca de 15 anos uma importante empresa de consultoria foi contratada pela Cedae para verificar os problemas da qualidade do suprimento de água à estação do Guandu. A maior Estação de Tratamento de Água (ETA) do Brasil teoricamente é suprida pelas águas do rio Guandu. Mas o Guandu é um rio artificial. Parte de suas águas é desviada do rio Paraíba do Sul, para a estação de Ribeirão das Lajes (da Light – olha o polvo aí de novo). O Paraíba do Sul é o maior rio do Estado do Rio. Corta suas regiões e marca a divisa com Minas Gerais até desaguar no mar entre os municípios de Campos dos Goytacases e São Francisco do Itabapoana, no extremo norte do estado. Mas há um pequeno problema técnico-político-geográfico. O Paraíba do Sul nasce na Serra do Mar, em território do Estado de São Paulo.

Nos últimos anos, com o crescimento desmedido da Grande São Paulo, que conta com cerca de 20 milhões de habitantes, vira e mexe o abastecimento local beira o colapso. Não pela qualidade da água – há muito, diante dos problemas descomunais de São Paulo, a Sabesp identificou a presença da geosmina nas águas que abastecem a GSP e implantou sistemas de tratamento com carvão ativado e outros produtos químicos. Ainda assim, no final do primeiro governo Dilma, São Paulo aumentou o desvio de água do Paraíba do Sul para abastecer as ETAs da Sabesp. Gerou-se um conflito de uso da água que teve de ser mediado pela Agência Nacional de Águas (ANA). É uma situação que tende a se agravar neste século.

Mas a insegurança hídrica do Grande Rio aumentou com a menor vazão do Paraíba. E o risco se agravou com a não realização dos serviços de tratamento de esgoto em nenhum dos municípios à montante do Rio Guandu: Seropédica (que tem um lixão que absorve os dejetos da cidade do Rio de Janeiro – antes despejados em Gramacho-Duque de Caxias, às margens da baía de Guanabara, como antes era da área do Caju, próxima à ETE de Alegria), Queimados, Japeri, Miguel Pereira, Paty do Alferes, parte de Nova Iguaçu. Além da qualidade da água do Guandu (que exige toneladas de produtos químicos), a baía de Sepetiba, onde ele deságua, também está em risco. Fábricas que usam as águas do Guandu são ameaçadas pela redução da vazão, quando a água do mar avança pela foz e muda a qualidade de água. O mais grave para os cervejeiros é que a principal fábrica da Ambev capta as águas do rio Guandu, antes da ETA Guandu. Menos mal que na produção de cervejas a água é fervida.

Já que estamos falando de poluição, para a água há remédios e equipamentos capazes de eliminar a geosmina e os problemas de turbidez, mas para a poluição mental, não há muita solução. Era previsível a escalada, diante do apoio tácito do chefe, que chegou a gravar "live" (transmissão ao vivo na internet) com o defenestrado ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim. Mas se antes, por declarações absurdas negando o desmatamento e as queimadas da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro, que recusou receber o embaixador da França, mas no mesmo horário previsto da audiência fez uma live cortando o cabelo, em Brasília, foi comparado a Adolf Hitler, com charges insinuando o bigodinho terrível, o que dizer quando o antes incensado secretário faz uma "live" repetindo Joseph Goebbels? Os governos da Alemanha e de Israel protestaram, através de seus embaixadores em Brasília, engrossando a grita geral no Brasil.

E imaginar que o senhor Alvim taxou nossa primeira dama das artes, Fernanda Montenegro, de “sórdida”, sem nenhum reparo do chefe. A demissão veio tarde e os poucos meses de Roberto Alvim à frente de um cargo para o qual não deveria ter sido levado só demonstram o desprezo deste governo pela Cultura, como comprovam a ‘deseducassão’ do ‘imprecionante’ (sic) ministro da Educação Abraham Weintraub.

O convite a Regina Duarte parece mais um saudosismo de Bolsonaro. A outrora “namoradinha do Brasil”, moça doce e de “bons modos”, veio ser a estrela contratada pela Rede Globo para apagar a má impressão da entrevista, cheia de palavrões, concedida ao Pasquim, no começo dos anos 70, pela afastada atriz da Globo, a saudosa Leila Diniz, que expressava a liberdade da mulher da era da pílula anticoncepcional.

Se Regina Duarte aceitar o cargo, um de seus primeiros gestos deveria ser um pedido de desculpas públicas a Fernanda Montenegro. Ajudaria a despoluir o ambiente nacional.