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À luz da Constituição

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Há uma lição a se extrair dessa decisão da Câmara dos Estados Unidos de impor seu aval em futuras incursões que o presidente Trump possa pretender no grave litígio com o Irã. Ela serve, nem que seja para cumprir o papel de advertência: é preciso estabelecer certos limites para o mandonismo de executivos, sejam grandes ou modestos os países que dirigem. No caso americano, a recente eliminação da maior autoridade militar iraniana, por mais que se justificasse sob a ótica do Pentágono, devia ser antecedida de provas concretas sob o plano terrorista com o qual estaria comprometido o general Soleimani. O presidente atropelou esse cuidado, como também ousou autorizar o ataque ao comboio em outro país, o Iraque, que até então figurava nessa sinistra história como Pilatos no Credo. Certamente várias nações têm assistido a gestos de autoritarismo ou ameaças inconvenientes em relação a estados soberanos que contrariam. Mas convém considerar que um presidente, mesmo se eleito por larga corrente da manifestação popular, pode muito, mas não pode tudo. Trump, se tivesse algumas papas na língua, não prometeria, por exemplo, retaliar em desproporção à capacidade de defesa do adversário. Seria praticar crime de guerra, o que os parlamentares americanos desejaram conter, antes que aconteça.

O Brasil, com todas as graças que se deem a Deus, não vive conflito externo, não tem lugares a bombardear, nem generais a serem eliminados; o que não exime nosso Congresso de estar atento aos pregões presidenciais, sem arranhar a autoridade executiva, mas atento e vigilante, quando palavras e promessas avançam e incursionam no campo da irrazoabilidade. Ainda agora, o presidente Bolsonaro manifesta desejo de subsidiar contas de luz de templos religiosos. Os deputados e senadores, independentemente de pertencerem às bancadas governista ou oposicionista, têm obrigação de adverti-lo quanto à imprudência de tal generosidade, que passaria por cima do preceito constitucional da laicidade. O Estado é laico desde a instalação da República. Está no artigo 19 da Carta Magna: da mesma forma como é vedado ao Estado qualquer embaraço para a livre manifestação da prática da fé, não lhe cabe estabelecer preferências e subvenções a profissões de fé do agrado do governante do momento.

Tarifas, como a que incide sobre serviços de distribuição de energia elétrica, são calculadas em cima de planilhas que não têm religião e divididas entre os atendidos. Se casas pentecostais e templos católicos forem contemplados com isenção, os demais usuários é que haverão de pagar a conta. Ateus, agnósticos e os indiferentes terão de arcar com as consequências da inciativa palaciana.

Desde tempos imemoriais que despesas para o custeio de instituições religiosas e seus ofícios são da responsabilidade dos fiéis. No passado das tochas nas catacumbas e das candeias, e hoje a utilização de raios laser para alumiar adros e altares sempre quem paga é o dízimo; em alguns casos cobrado com severidade e em contas bancárias.

Essa recente preocupação de Bolsonaro com as lâmpadas das igrejas pode ser facilmente desconstruída. Basta olhar a riqueza de muitos templos e seus empreendimentos no Exterior, para se perceber que conta de luz é para eles apenas grão se areia. Mas o presidente tem todo direito de encontrar uma forma para fazer agrado aos segmentos evangélicos, aos quais se atribuiu papel saliente na vitória com que foi ungido nas urnas de outubro de 2018; desde que não sacrifique usuários de um serviço essencial. Há outros caminhos que o levem às bênçãos dos púlpitos e dos altares.