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Entre crescer e desenvolver

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Nenhum desenvolvimento acontece sem algum crescimento. Mas o crescimento, em si, não representa certeza de desenvolvimento. Por que apenas crescer não garante que um país esteja se desenvolvendo? A distinção não é complicada. Crescer é verbo associado a uma medida de tamanho. Em geral, o tamanho da produção nacional e, portanto, da renda total gerada pelo país. Desenvolver é o verbo que humaniza e dignifica o crescimento: o desenvolver está associado a uma ou várias qualidades extraídas do crescimento. Crescer com redução de desigualdades é desenvolver. Crescer com ampliação de talentos profissionais e maior produtividade, isso é desenvolver. Crescer com mais investimentos, também. Crescer com consciência ambiental e cultural, essa é a nova vertente do desenvolvimento. Crescer sem nenhum desses atributos é perder-se em esforço inútil, cujos efeitos serão cobrados pela sociedade e pela natureza em momento futuro. Como no Chile de hoje em dia.

JK foi um grande desenvolvimentista. Seu ideário incluía crescer rápido mas, sobretudo, com enorme ampliação de oportunidades para a galera que acorda cedo e trabalha duro a soldo fixo. Roberto Campos foi grande liberal. Com tal, via o desenvolvimento como resultado de se fazer as melhores escolhas sociais em prol da massa da população. Desenvolvimento e liberalismo saíram de fronteiras distintas do pensamento para se encontrar e se abraçar - como conceitos irmãos - sob a regência de um governo criativo, proativo, mas respeitador dos limites da decisão individual. Por isso, JK e Campos, juntos, realizaram a maior proeza desenvolvimentista e liberal de que se tem notícia na história contemporânea do País.

Este arquivo de experiências de crescer com intenso desenvolvimento humano foi se perdendo, até estar hoje completamente apagado do imaginário dos governos brasileiros recentes, quiçá da população desesperançada de vivenciar de novo algo assim.

E por que? Governos não existem para serem apenas liberalizantes. Muito menos em países onde campeiam as distorções e privilégios a favor dos mais poderosos, dos mais influentes e mais próximos da máquina do governo. No Brasil, a preleção estritamente liberalizante é estéril. Dou um exemplo. Governos ditos liberais mostram-se dispostos a vender todos os ativos estatais como uma espécie de rito de purificação do Estado.

Nada mais imperfeito. O capital do Estado pertence, não ao governante da hora, mas aos credores do Estado. E quem são eles, prioritariamente? Seriam os detentores de títulos de dívida pública? Certamente. Mas a prioridade na fila pertence aos detentores da dívida previdenciária. E da dívida social. Não sou eu quem diz isso. É a Constituição Federal no seu artigo 250. Há outros artigos a garantir, no papel, a preferência da população trabalhadora e securitária. Mas liberais de formação financista passam ao largo da conta devedora do Estado brasileiro. Esse cacoete feio prejudica o potencial das demais políticas liberalizantes. Parece ser esse o drama da equipe atual. Querer liberar para crescer mas sem saber bem como crescer para desenvolver. Os dois movimentos precisam ser simultâneos.

Grandes estadistas, como JK e Roberto Campos entendiam e dominavam a arte do crescer com desenvolver. Para eles, isso era coisa natural. Não por outro motivo, JK deixou a previdência social lastreada nos ativos do Estado brasileiro. Outros fizeram o favor de desfazer e desfigurar a iniciativa do grande mineiro. Em seguida, Campos e Bulhões criaram o PIS - Programa de Integração Social - que visava a lastrear o futuro dos trabalhadores com participação no capital das empresas, inclusive privadas. Poucos entenderam o sentido da medida, logo desviada. O FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador - oriundo do PIS, é um nome que não diz o que o fundo representa de fato: capital dos trabalhadores. Amparo é palavra arcaica, assistencialista. O FAT investiu no BNDES. Portanto, o Banco de desenvolvimento e sua carteira de ativos valiosos pertencem ao Trabalhador. E esse trabalhador por acaso terá sido consultado sobre o futuro do BNDES e a apressada venda de sua carteira bilionária de ativos? São recursos preciosos que deveriam garantir a previdência brasileira. Esse encontro de contas é urgente e necessário.

Liberalizar o País não é apenas realizar leilões de venda de ativos. Isso qualquer um faz. Liberalizar um País é libertar o País do jugo da opressão financeira que há décadas sufoca o povo em juros, em impostos, e antes matava com inflação. O encontro de contas ensaiado por JK, por Campos e outros verdadeiros liberais, permanece uma contabilidade social em aberto no Brasil, em afronta aos comandos da Constituição.

Seria a bela oportunidade que estava faltando para o atual governo - de proclamada vertente liberal - de usar sua sabedoria, mostrando que o desenvolvimento inclusivo é a visão mais avançada do próprio liberalismo.

Paulo Rabello é economista e escritor