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Aos amigos, tudo aos inimigos, a lei

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Foi uma semana rica. O Supremo Tribunal Federal (STF) demonstrou respeito à maior das leis no Estado Democrático de Direito: a Constituição brasileira de 1988, e voltou atrás, por iniciativa de seu presidente, ministro Dias Tóffoli, que, após driblar prá lá e prá cá, como Bruno Henrique no primeiro gol do Flamengo contra o River Plate, agiu como na famosa “guinada de 360 graus (sic)” de Dilma Roussef. Reviu seu próprio voto e revogou a liminar que concedera, monocraticamente, proibindo compartilhamento de dados fiscais e financeiros da Receita Federal e do Coaf (atual UIF) com o Ministério Público e a Justiça.

Curvou-se à lei maior, a Constituição, o poder que desempata, no regime democrático de direito e de respeito à lei maior brasileira, querelas entre o Executivo e o Legislativo. O maior exemplo é um processo de impeachment de um presidente. Instaurado pelo Legislativo, tem a sessão de julgamento presidida pelo chefe do STF, a Suprema Corte (como ocorreu com Collor e Dilma). É assim também nos Estados Unidos.

Entretanto, do outro da Praça dos Três Poderes, o presidente do Executivo, Jair Bolsonaro deu uma canelada nos princípios democráticos ao passar da palavra à ação. Depois de condenar, pela enésima vez matérias publicadas pela imprensa brasileira que o desagradam, citando nominalmente a Folha de S. Paulo, passou da palavra à ação. Ordenou a exclusão do órgão de imprensa na publicação de editais, anúncios, balanços de empresas estatais, além da sua subscrição – física ou eletrônica – pelos órgãos e empresas federais.

Foi por atitudes destemperadas do poder absoluto do Rei, sobretudo na criação de impostos a seu bel prazer, que os Lordes ingleses se insurgiram em 1200 contra o Rei Eduardo, neto do Rei João, para impor junto aos religiosos e burgueses da época para delimitar as leis emanadas do Poder Real.

Nos regimes democráticos, os valores maiores da cidadania prevalecem (e os direitos das minorias também são resguardados). O STF decidiu preliminarmente por 9 a 2 (a proclamação do resultado ficou para esta próxima semana) com os votos vencidos dos ministros Marco Aurélio de Mello (seguindo a tradição, que Tóffoli quis abocanhar, de ser o “ministro do voto vencido”) e o decano da Corte, Celso de Mello, que os dados devem ser compartilhados.

Bolsonaro, a exemplo de Luís Inácio Lula da Silva, não parece ter apreço por livros ou a leitura de jornais. As citações que costuma fazer são inspiradas em passagens bíblicas ou dos evangelhos. Como a citação de João: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”. Nos 580 dias de prisão em Curitiba, Lula pode ter se esforçado e lido um pouco mais. É possível. Quando era presidente Lula confessou que mal lia os brieffings com os clippings das notícias do dia na imprensa escrita, falada, televisada e online.

Bolsonaro também já confessou não ler muito. Prefere as TV e as rádios, que transmitem as suas falas quase na íntegra, às matérias de jornais, revistas e sites, que arredondam as notícias: transmitem a fala presidencial (ou de qualquer cidadão da República) e a inserem no contexto, com informações adicionais ao leitor/ouvinte/espectador). É esse contexto exposto pela Folha e jornais e sites não oficiais que desagradam a Jair Bolsonaro.

Vale a pena recordar uma passagem do JORNAL DO BRASIL, ainda na velha sede da Avenida Rio Branco, 110. O 2º presidente da era militar, o Marechal Arthur da Costa e Silva, foi almoçar com a direção do JB e manifestou à Condessa Pereira Carneiro, presidente do jornal, sua contrariedade com algumas notícias e, sobretudo, um editorial (matéria redatorial sem assinatura, que expressa a opinião da direção de um órgão de imprensa) no qual o JB fazia ponderações críticas a certas ações do governo.

No meio do almoço – realizado antes do draconiano Ato Institucional Número 5, vulgo AI-5 de 13 de dezembro de 1968, -, o Marechal queixou-se à Condessa do tom crítico. Com grande habilidade, D. Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro explicou que “a crítica era construtiva” e visava a que o governo aparasse arestas. Costa e Silva acolheu, trocou de assunto, mas, ao se despedir da direção exclamou: “Eu entendo, mas gosto mesmo é de elogio”.

Bolsonaro foi formado na caserna, onde a leitura de “Ordem do Dia” costumava ter algum elogio. Uma das funções da imprensa é exatamente apontar o que saiu dos trilhos para os governantes e administradores corrigirem. O que está bom merece ser destacado. Mas, como dizia meu pai quando eu ou os irmãos revelavam ter tirado nota alta numa prova, “não faz mais que obrigação”.

Todo governante – em qualquer estágio da administração – deveria se debruçar sobre os ensinamentos de Nicolau Maquiavel, italiano de Florença que nasceu em 1469 e morreu em 1527 (período em que o Brasil foi descoberto e esteve sobre a cobiça de franceses, ingleses e holandeses, até o Rei de Portugal criar as Capitanias Hereditárias, em 1534). Na sua obra mais famosa, “O Príncipe”, Maquiavel, defende a tese de que para ser bem-sucedido, o governante deve equilibrar a Virtude e a Fortuna a fim de assegurar seus interesses políticos e de poder.

Há várias máximas de Maquiavel que poderiam ser levadas a cabo. Uma delas rezava que “as injúrias devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, saboreando-as menos, ofendam menos: e os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, a fim de que sejam mais bem saboreados”. A síntese ficou sendo: “Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só”

Muitas eram plenas de Moral e Ética. Mas, com a interpretação do tempo, ficaram mais as lições do oportunismo político que fizeram de Maquiavel um parteiro da separação entre Moral e Política quando proferiu a célebre frase que embutia a ideia de que “os fins justificam os meios”. Dentro da mesma lógica veio outra máxima: “Aos amigos os favores, aos inimigos a lei”, que ficou simplificada no título da coluna: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”, usada na época da Colônia e retomada no Brasil desde a República Velha.

Maquiavel disse também: “Não se aparte do bem, mas, havendo necessidade, saiba valer-se do mal”. Que está aplicando no boicote à Folha, que se estendeu e extrapolou na declaração descabida de que irá retaliar também os anunciantes que façam publicidade na Folha de S. Paulo. Assim como não cabe a um governante usar a Receita Federal e a UIF para perseguir inimigos eventuais, não cabe a nenhum dos três Poderes atuar fora dos parâmetros democráticos (definidos pela Constituição) no exercício do Poder do Estado.

Bolsonaro prefere o confronto, o estado bélico, ao exercício do poder que conquista o povo com a prática do bem. Lula o ajuda nisso, ao não voltar à caixinha do “Lulinha Paz e Amor” e preferir o discurso de ódio e do enfrentamento, desde que saiu da prisão, após o STF revogar a prisão em 2ª Instância.

Bolsonaro e Lula criaram a polarização, procurando evitar o surgimento de uma terceira via. Vale lembrar, para isso, outras máximas de Nicolau Maquiavel. “O tempo lança à frente todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem”. Mas vale lembrar outra: “Em política, os aliados de hoje são os inimigos de amanhã”.

Ao optar pelo enfrentamento, Jair Bolsonaro e seus conselheiros sobre Maquiavel parecem ter absorvido mais diretamente só dois conselhos: “É melhor ser temido do que amado" e “Antes de tudo, esteja armado”.

Mais de 500 anos se passaram (a existência do Brasil) se passaram desde então. Não seria a hora de mudar? Já dizia Maquiavel que ”Uma mudança sempre deixa o caminho aberto para outras”.