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O presidente e seu partido

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Não há quem garanta, no exercício de plena acuidade, que nestes tempos o brasileiro possa amanhecer com a mesma realidade política com que adormeceu no dia anterior. Agora já não são nuvens, mas ventos inesperados que mudam rapidamente os cenários; de forma que tornou-se algo verdadeiramente impossível dispor-se de alguma previsibilidade, instrumento indispensável na ordem natural das coisas políticas. Sem isso, ainda que em escassa medida, os agentes que atuam na área, no Executivo ou no Legislativo, consomem-se em terríveis confusões. Pois é esse mínimo que acabou escapando totalmente do dia a dia do país. Ninguém pode contar com algum elemento que permita projetar o que vai acontecer amanhã.

Ilustra a imprevisibilidade dos fatos o presente episódio da guerra que o presidente da República trava com seu partido, quando se sabe que entre eles esperava-se haver certa harmonia, nem que seja ditada pelo interesse mútuo, isto é, a troca de apoio parlamentar pelo prestígio junto aos altos comandos do poder. Pois o que se deu, no bojo do presente caso, foi uma ruptura que tem tudo para provocar reflexos nas relações da Presidência com o Congresso, que, aliás, já não andam às maravilhas. Conhecida a ruptura com o PSL provavelmente estarão abertos novos caminhos para dificultar a tramitação de matérias importantes, como a nova e tão aguardada reforma fiscal que se pretende.

No presidente Bolsonaro não se identifica um perfil que concorra para produzir conversas amistosas; o senão que tem a agravá-lo a inexperiência de um PSL de navegação costeira, sem estrutura para incursões mar a dentro. Não fosse isso, as consequências das divergências certamente ficariam restritas aos interesse dos litigantes, como, por exemplo, os saldos do fundo partidário. Na etiologia desse equívoco o que se tem observado, sem maiores esforços, é uma casa de sedentos, onde todos gritam e ninguém tem razão.

Os conflitos entre o chefe do Executivo com uma força partidária que lhe dá suporte podem trazer consigo um veneno letal; não bastante grave se mantido no devido tampão; mas a crise pode ganhar capilaridade, estendendo-se por outras siglas. E neste caso ampliam-se as más consequências. Talvez o presidente e seus antigos camaradas de palanque não tenham sentido completamente o risco dos desdobramentos.

Houve quem dissesse, parece que Joel da Silveira, que despertar no Brasil é dar de cara com as coisas que não estavam na agenda dos factíveis. As coisas com as quais não é dado adormecer, mas são servidas à mesa juntamente com o café da manhã. É o caso em tela, o insólito bate-boca, onde tem faltado equilíbrio e sobrado o efeito dos impulsos. No oposto, a virtude do equilíbrio deve ser o traço marcante da índole de quem se propuser a falar e trabalhar pelo povo.

Pergunta-se, contudo, se nada de útil e oportuno possa se extrair desse conflito entre o presidente e seu primitivo abrigo partidário, sem embargo das dificuldades já analisadas e decorrentes da crise. Certamente que pode. Aprenda-se que um partido, ainda que umbilicalmente ligado ao poder do momento, não deve depender totalmente de quem lhe dá sustento político, a ponto de se ter a ameaçá-lo o êxodo em sua bancada. Não deve ser tão vassalo que não possa independer. E o presidente, ainda que tenham alguma razão, precisa colocar-se acima de tensões distantes dos verdadeiros interesses da população. O homem público – convém refletir com o jurista Mílton Campos - precisa submeter-se à posição de suas ideias, não às ideias de sua posição.