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Partidos em falência

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Uma releitura do terceiro volume das memórias de Pedro Nava, quando ele se despede do Pedro II para estudar Medicina em Belo Horizonte, oferece breve perfil do velho Partido Republicano Mineiro, semelhante aos PRs de outros estados na Velha República. Mas todos tinham corpo definido, ideias claras e conteúdos nítidos, ainda que, por dever de justiça, se lhes faça uma ressalva, pelo fato de terem se tornado veículo das benesses e dos castigos palacianos que se distribuíam entre amigos e adversários. Pois, até nos seus defeitos eram capazes de primar pela nitidez. Visto hoje do que foram, conclui-se que as décadas seguintes deles pouco foram capazes de herdar.

Se pioram ou melhoraram em alguma coisa, as organizações partidárias dos tempos mais recentes, toleradas exceções que nem chegam ao quinto dedo da mão, não têm mais como se apresentar como intérpretes e guardiães dos sentimentos nacionais. E nem parecem preocupadas com a falência da representação, porque pouco ou nada articulam para tentar restaurar o que se perdeu. Ao adverso, procuram aprofundar a descaracterização pela via de estranhas alianças, do que resultam, em alguns casos, corpos deformados na política, obra similar a essas cirurgias plásticas mal sucedidas que estragam antes belas atrizes.

Sua falência percebe-se claramente, a começar por terem se avolumado nas redes sociais propostas que advogam junto à Justiça Eleitoral a admissão de candidaturas avulsas, que independam de aprovação de convenções partidárias, com o que, aliás, sonhara o presidente Itamar Franco, ele mesmo desacorçoados ante a realidade estrutural e ideológica entre os partidos, depois de andar peregrinando por vários deles.

Enterrá-los em definitivo? Certamente que não. As críticas haverão de ter apenas um papel restaurador. Nem significam dar abrigo a essa e outras ideias radicais, que advogam a extinção, como se fosse adequado dar-lhes o receituário extremo, à moda torquemada, para arderem na fogueira. Uma boa leitura da história política informa que os partidos sempre foram e serão o instrumento mais adequado para levar e manter o povo no poder. Não é preciso que se extingam, mas é preciso que assumam o mínimo de autenticidade, legitimem-se com programas e propostas que sejam capazes de convocar o eleitorado a por eles se interessar. E que não sejam exageradamente numerosos, porque a fartura das siglas, como se vê atualmente, favorece equívocos e dilui responsabilidades programáticas. (Sob a inspiração da realidade brasileira, talvez pudéssemos pensar em cinco ou seis, suficientemente largos e generosos para colher todas as correntes do pensamento político).

Quadro verdadeiramente sombrio estamos assistindo agora, quando digladiam o presidente Jair Bolsonaro e o principal partido e sua recente jornada eleitoral. Bastaram nove meses de governo para a conflagração, da qual nem escapam mútuas suspeitas de irregularidades nas contas de campanha. Desnecessário qualquer outro exemplo para que se exponha a fragilidade de um partido, mesmo que tenha liderado os votos que o levaram à Presidência da República. Tanto o presidente como o partido julgam-se suficientemente fortes para caminharem separados. Nada mais é preciso dizer.