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Do limão a limonada

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Se setembro não é exatamente um mês primaveril para o presidente Bolsonaro, que marcou atentado e cirurgias, além dos percalços do governo, há de ficar, com algum refrigério, o fato de ter sido possível, ainda que sob muitos desgastes, inserir a Amazônia na pauta dos grandes temas internacionais. Depois de oito meses escorregando em polêmicas, nossa política externa ganhou um tema que, bem aproveitado, pode trazer resultados para o país. Em lance mais recente o governo dos Estados Unidos comprometeu-se, sob o bafo de suas boas relações com Brasília, liderar a construção de um fundo de recursos técnicos e financeiros para preservar a região sacrificada por incêndios de origem tanto criminosa como acidental. O que talvez autorize concluir que a Amazônia e sua fornalha, se ardem e castigam, também podem se converter em presente para o governo, ainda sob o calor de uma tragédia que o abalou, depois de o mundo fazer o Brasil sentar-se no banco dos réus, acusado de ter se transformado em cruel delinquente ambiental. Na gestão bolsonarista não é suficiente para arrefecer as hostilidades lembrar que o fogaréu vem de pecados que se repetem há décadas; e nem por isso os ambientalistas do mundo inteiro deixam de se queixar do pouco-caso brasileiro com o verde amazônico, mesmo que seus países tenham cometido crimes tão ou mais graves.

Não faltaria, portanto, algo de útil e oportuno para o presidente extrair desse temporal que desabou sobre o governo. Porque o mundo, mesmo crítico e agressivo, vê-se obrigado a reconhecer o Brasil como destacado instrumento de uma desejável mentalidade ecológica universal; tão revolucionária quanto corajosa. A causa, internacionalizada, pode, então, cair ao seu colo como regalo, com todas as oportunidades para mostrar que, se o planeta precisa da Amazônia, a Amazônia precisa de todos os povos que se preocupam com ela. Talvez com isso ele possa salvar o que resta deste setembro aziago.

Sem se desviar de graves responsabilidades, cabe cobrar de outros governos que também eles e suas empresas exploradoras precisam respeitar a floresta; não apenas com verbas ocasionais oferecidas ao sabor de reações da opinião pública, mas adotá-la, principalmente contribuindo com serviços técnicos e contendo ambições desmedidas de certas organizações não governamentais, que, sob capa ovina, são as primeiras a proteger incursões criminosas e a exploração desmedida de riquezas naturais. O esbravejador presidente Macron prestaria relevante serviço se ajudasse a conter a ganância com que empresários europeus subornam madeireiros e comunidades indígenas para obterem fortunas pela via da importação predatória e clandestina dos lenhos de qualidade que saem por fronteiras virgens e quilométricas, carentes de fiscalização. Ou que, incidindo em delitos não menos graves, almejam facilitar a internacionalização da exploração de minerais. Desconfia-se, não sem fundadas razões, que boa parte da preocupação com as árvores que pegam fogo esconde o que está por baixo delas…

Impõe-se o exercício do diálogo com as comunidades internacionais. Não é tarefa das mais fáceis obter que o presidente dê tratamento a tão grave problema sem as paixões conhecidas em suas abordagens. Mas ele precisa aproveitar o limão da hora e dele fazer a limonada: tão logo cessem as críticas e cobranças, que comece a sensibilizar o mundo para os reais desafios da Amazônia. Fazê-lo em termos severos e respeitosos, com a serenidade digna de quem há um ano, num setembro de sangue, começou a viver de novo.