ASSINE
search button

Começo de uma nova era

Compartilhar

Honrando o nome desta coluna, deveria escrever hoje sobre política. Quem sabe, tratando dos rescaldos dos entreveros entre o presidente francês Emannuel Macron e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro? Embora tenha se confirmado, num primeiro momento, o que tinha alertado semana passada, como o perigo da escalada de Bolsonaro sobre os mecanismos de medição que orientam as instituições de controle ambiental na Amazônia brasileira - o risco de retaliações dos compradores internacionais dos produtos do agronegócio brasileiro, prefiro deixar de lado o debate entre o ‘macrônico’ defensor dos agricultores franceses e o anacrônico defensor do passado, enquanto algumas áreas amazônicas viram cinzas.

Melhor tratar de uma questão que diz respeito à vida de todos os brasileiros: o uso do sistema financeiro.

Na terça-feira, dia 27 de agosto, a diretoria do Banco Central aprovou, sem divulgação para a imprensa, o desenvolvimento do sistema de pagamentos instantâneos. Previsto em resoluções e circulares aprovadas no final do ano passado, a ideia do novo sistema, debatido no primeiro semestre entre os técnicos do BC e representantes de 130 instituições financeiras entre bancos, financeiras, cooperativas de crédito, fintechs e administradores de meios de pagamentos (cartões de débito e de crédito) vai mudar a relação dos bancos com a sociedade.

Neste sábado, 31 de agosto, a Agência Brasil publicou uma matéria sobre o tema que foi replicado em vários sites, incluindo o do JORNAL DO BRASIL, no qual também foi manchete. Tudo o que mexe com o oligopólio do sistema bancário anda lentamente no Brasil. Mas a implantação do sistema que vai quebrar de fato com o monopólio bancário nas transações financeiras entre empresas e consumidores e entre as pessoas está prevista para 2020. Boa parte das transações poderá ser feita via celular. Há mais de 230 milhões de celulares para 210 milhões de brasileiros. Claro que há milhões que não têm nenhum e milhares que têm mais de um aparelho ou chips.

Quanto maior pressão fizer a sociedade para as autoridades agilizem a questão, mais rápido o sistema vai ajudar na descentralização do crédito (mais de 80% na mão de cinco grandes bancos - Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander), reduzirá custos operacionais e vai encurtar o prazo de transferência imediata de fundos. Tempo é dinheiro e o tempo virá para os clientes.

Hoje, os bancos demoram de 24 a 48 horas com o dinheiro em caixa para concluir uma transferência de fundos via cheques, por exemplo. Ah, dirá o leitor, mas a maior parte das transações hoje já é feita eletronicamente. É verdade. Nos relatórios do desempenho do 2º trimestre de 2019, Bradesco, Itaú e BB informam que mais de 96% dos pagamentos de boletos das pessoas jurídicas são via internet ou smartphones. Entre as pessoas físicas os índices se aproximam de 70%, com a maior parte das transações via cartões de crédito ou débito.

Acontece que a transferência imediata e eletrônica dos fundos envolvidos em uma simples transação, como o pagamento de uma conta de almoço num restaurante com cartão de débito ou crédito, ou num supermercado, só chega efetivamente ao caixa do estabelecimento em dois ou três dias, com desconto de juros na transação. Vale lembrar que o maior movimento do comércio se dá às sextas, sábados e domingo, Isso vai mudar.

Outra questão, transferências de dinheiro via celular ou internet têm horário limitado nos bancos. No máximo até meia noite. No novo sistema, que funcionará 24 horas (não os fakes ‘Bancos 24 Horas’ que, devido a problemas de segurança, praticamente saem do ar às 22 horas), incluindo sábado, domingo e feriados, será imediato. Isso fará tremenda diferença na contabilidade entre os bancos e a sociedade.

Se o empresário ou pessoa física fica devedor na conta às 16 horas de uma sexta-feira ou na véspera de um feriadão, vai pagar juros (e que juros!) no período, porque se tentar uma fonte externa que lhe forneça os fundos por meio de transferências bancárias (TED - Transferência Eletrônica Disponível - ou DOC - Documento de Ordem de Crédito), não há como creditar no mesmo dia após as 16 horas, quando termina o expediente bancário. Com o novo sistema, a desigualdade acaba. Não se sabe se haverá mais ou menor segurança para o cliente (ataques de hackers).

Mas o uso de dinheiro papel em circulação vai se reduzir mais ainda. Mais um motivo alegado pelo atual governo para incluir a Casa da Moeda do Brasil na lista das estatais privatizáveis. Quem tem dúvidas sobre a ociosidade da Casa da Moeda, olhe, quando passar pela Zona Portuária, para o enorme esqueleto de um prédio arredondado, próximo à Cidade do Samba. Seria o centro de distribuição de dinheiro da Casa da Moeda, mas está parado desde 2016.

O impacto da digitalização nas transações bancárias terá outra implicação na vida das cidades e no emprego dos bancários. Este ano, os maiores bancos do país anunciaram planos de demissão voluntária (PDVs). Banco do Brasil e Bradesco, ao lado da Caixa Econômica Federal, são dos maiores empregadores do país, cada qual com cerca de 100 mil funcionários. O Itaú tem 85 mil. BB e Itaú já fizeram PDVs este ano. Pois no dia seguinte à resolução do BC, o Bradesco anunciou novo PDV, cujo prazo de adesão terá início segunda-feira, 2 de setembro. Vale lembrar que em 2017, para enxugar sua estrutura, após a absorção do HSBC, o Bradesco fechou agências fez um PDV que cortou mais de 7 mil funcionários.

O encolhimento do número de bancos, que marcou os últimos 20 anos, fazendo desaparecer nas avenidas Paulista e Rio Branco antigas imponentes sedes de bancos ou diretorias regionais, vai ter novo round: o fechamento de agências dos grandes bancos que concentraram o os fundos e o crédito no país. Nas principais ruas de comércio das grandes cidades brasileiras, a disputa entre as agências bancárias e as farmácias, vai ser vencida pelas últimas. Muito em função do envelhecimento da população de 210 milhões de brasileiros, que estão com pouco dinheiro no bolso e vão poder fazer muitas transações via celular.