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Onde a autenticidade?

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As lideranças políticas, pelo que se tem lido, não já não alimentam mais dúvidas de que o presidente Bolsonaro prepara sua artilharia para disputar novo mandato, em 2022, baseando-se em uma constatação, a primeira peça de um xadrez que ainda tem muito tempo e largo espaço para o jogo eleitoral. Ele constata que no campo da direita não há quem possa lhe fazer sombra. O vice Mourão, ganhando no começo do governo grande exposição, recolheu-se e adota discrição, levando direitistas moderados a engavetar o projeto alternativo. Portanto, se a direita entrar na guerra das urnas será com Bolsonaro, a menos que o destino e suas imponderabilidades prefiram rumos diferentes.

Conhecido o plano da reeleição, as correntes adversas que se opõem ao presidente sentem-se convocadas a traçar logo seus próprios rumos, na certeza de verem exauridas as esperanças no bolsonarismo junto ao eleitorado. Nada que surpreenda, portanto, nos ensaios para a abertura de um caminho que possa ser trilhado pelos partidos de centro, a se fundirem sob nova sigla. PSD e DEM à frente, suficientemente fortes para exercer influência e com natural força de gravidades capaz de atrair partidos sem fôlego em caminhadas autônomas. Também estes prontos para se vestirem com novas letras, um universos jejuno de ideias e ideais.

Não há por que espantar se partidos políticos organizados, com recente participação em eleições, suicidam-se ou se disponham a praticar o haraquíri. Voltam a mostrar, mesmo sem confessá-lo, que seus projetos primam pelo circunstancial, biodegradáveis, feitos para durar sob a ditadura das conveniências da hora. E a dança das letras, que os caracteriza, encena breves espetáculos. Para tanto, terão contribuído a legislação e o próprio eleitorado, indiferentes em relação às obrigações programáticas, bastando que lhes seja permitido ser contra ou a favor. Milton Campos já notara esse poderoso vácuo em seu “Testemunhos e Ensinamentos”: “Daí a multiplicidade de partidos e leis eleitorais, porque nenhum resiste a duas eleições, e já na terceira é preciso legislar de novo para cortas as asas dos enganos”.

É ainda do senador mineiro, meio século atrás, a preocupação com a ausência de autenticidade desses “órgãos intermediários” que sejam capazes de captar a legítima vontade popular. Partidos sólidos que caraterizam o regime representativo nós não os temos; e, pelo andar da carruagem, continuarão ausentes ou falsamente presentes.

Se se consolidar o quadro político que começa a ser tingido para 2022 teremos direito de lamentar a carência de legendas com legitimidade, muito além dos aglomerados construídos apenas para tentar chegar aos poder. Será um retrocesso, uma viagem à República Velha, onde, em rigor, não se podia falar em partidos, mas em aglomerados de votantes em torno de chefes políticos. Faça-se, em nome da verdade histórica, uma exceção para o Parido Comunista nas duas primeiras décadas do século passado. E, se o Código Eleitoral de 32 instituiu os partidos nacionais, acabou prevalecendo o que a experiência já consagrou: a prática arquivou a teoria e as boas intenções.

O presidente Bolsonaro, entusiasmando-se com um segundo mandato, partindo para disputá-lo, terá tudo para reeditar o fenômeno direita x esquerda, com apoio de quase todos os antigos aliados, estes também não suficientemente programatizados. O que certamente não basta a um país que o destino empurrou contra a parede, que precisa de muita coisa, a começar por representações políticas que não se satisfaçam com o oportunismo de jogadores e jogadas de partidos que se limitam ao faz-de-contas.