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Dia sim e no outro também

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O tuíte sobre o “golden shower” no Carnaval chocou milhões de brasileiros, em março. Não era comportamento ou postagem pública que se esperava de um presidente da República Federativa do Brasil. Deu-se algum desconto por ter sido postado no período momesco. Os entusiasmados eleitores do candidato do PSL apoiaram fervorosamente a postagem. Só alguns deles torceram o nariz.

Sem o aparato do Palácio do Planalto e a blindagem da Comunicação do governo, o presidente Jair Messias Bolsonaro agia como cidadão em estado puro, sem nenhum filtro. Duas semanas antes, numa demonstração de poder, demitira o advogado Guilherme Bebiano, fiel escudeiro na campanha iniciada em 2017, do cargo de ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência, por querer estreitar relações com a imprensa, via de comunicação com o público desprezada por Bolsonaro quando não pode expressar seus sentimentos na íntegra.

Nos dias e semanas que se seguiram, o grupo de generais que fora convocado pelo ex-capitão reformado e ex-deputado federal para compor o núcleo duro da assessoria palaciano, sob a liderança do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e apoio do vice-presidente, general Hamilton Mourão, tentou aparar arestas de falas polêmicas do presidente. E a atuação do porta-voz da presidência, general de divisão (três estrelas), não raras vezes, ao tentar suavizar o caráter explosivo de manifestações de Bolsonaro, acabam entrando em conflito com o que dissera o presidente.

Enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão, mais loquaz, experiente e com melhor domínio das palavras que Jair Bolsonaro abria pontes com a imprensa, em cafés da manhã ou entrevistas (a jornais, revistas, rádios, tevês ou sites), incluindo a imprensa estrangeira, Bolsonaro ficou inferiorizado. A tentativa do porta-voz de marcar cafés da manhã do presidente com a imprensa pretendia equilibrar o jogo. Mas o estilo Bolsonaro de ser produziu tiros pela culatra.

Comprou briga com a imprensa estrangeira ao negar os índices de desmatamento da Amazônia, produzidos pelo INPE, cujos desdobramento geraram atritos com governos da União Europeia com os quais Brasil, via Mercosul, tenta a aprovação de acordo de livre comércio (pendente de aprovação nos Parlamentos dos países envolvidos), a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e a advertência, esta semana, do Papa Francisco sobre a responsabilidade dos governos na preservação da Amazônia (cuja maior parte está no Brasil, mas é extensiva às fatias da Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Suriname, Guiana e França, pela jurisdição da Guiana francesa), como preparação do Sínodo Católico da região, de 6 a 27 de outubro. Vem aí uma temporada de litígios e acusações.

Durante a semana, Bolsonaro, mesmo após a reedição da Medida Provisória que transferia a demarcação das terras indígenas da Funai para a pasta da Agricultura, ser anulada por decisão unânime do plenário do Supremo Tribunal Federal, após o recesso, em 31 de agosto, defendeu abertamente a exploração da mineração internacional em terras indígenas.

O episódio da indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para comandar a embaixada do Brasil nos Estados Unidos deixou o presidente mais irritado, livre e solto para defender o filho 03 como pai. Orgulhoso após a troca dos elogios do presidente Donald Trump, cujo governo concedeu o agrément (aprovação prévia), Bolsonaro virou mais pai do que primeiro mandatário. Disse que não era nepotismo e que a decisão final caberia ao colegiado de 81 senadores que precisam aprová-lo por maioria simples.

Disposto a contatos diretos com a imprensa, sem o filtro dos brieffings anódinos do porta-voz, que vem tendo seus poderes esvaziados desde que não foi incluído na lista de promoções à 4ª estrela, em 30 de junho, o presidente agora fala quase todos os dias na porta do Palácio da Alvorada (sua residência oficial) ou nas viagens Brasil afora.

A pressão para que o protagonismo do presidente viesse mais à tona ficou cada dia mais forte e irresistível. Embalado pela aprovação da reforma da Previdência na Câmara, e pelo aval de Trump, apesar de a economia estar patinando e o desemprego bombando, Bolsonaro, que nunca desceu do palanque, já ensaia a campanha à reeleição, que tanto condenara.

O esforço do porta-voz, general Rego Barros, que passou para a reserva ao ser ‘caroneado’, foi deixado de lado. Antes, calaram o vice Mourão. E após a demissão do general Santos Cruz e a sua substituição pelo geral Luiz Eduardo Ramos, que passou a controlar a Secretaria de Comunicação com a posse de Fábio Wajngarten, a ala ideológica, influenciável pelo guru Olavo de Carvalho, ganhou mais força. O general Augusto Heleno, atingido indiretamente pelo episódio do tráfico de drogas de um sargento da FAB no avião de apoio à viagem do presidente Bolsonaro à Espanha, anda muito quieto.

A verdade, resume jornalista com amplo trânsito nos meios militares de Brasília, é que os militares achavam que iriam governar em nome de Bolsonaro. Ocorreu o contrário. Ele está dispensando todos eles, um por um, e reafirmando que quem manda é ele. Está solto na pista, haja visto a designação do filho para embaixador do Brasil nos EUA. É o retrato perfeito e acabado do estilo “quem manda aqui sou eu”. Que deixa investidores e grandes empresários que investem pensando no longo prazo com a pulga atrás da orelha sobre a estabilidade democrática do país e o respeito às regras do jogo e a contratos.

O resultado foi mais chocante esta semana. Perguntado, à porta do Alvorada como se podia conciliar o controle do meio ambiente pelo desenvolvimento, o presidente Jair Bolsonaro embaralhou Ecologia com escatologia e dissertou: se as pessoas comessem menos um pouco ou fizessem “cocô um dia sim outro não” haveria menos agressão ao meio ambiente. Se isso não for possível, que pelo menos o presidente alterne os pronunciamentos esdrúxulos um dia sim outro não.