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Um trailer semanal de Bolsonaro por ele mesmo

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Desde 18 de julho, quando começou o recesso das duas casas do Congresso, o presidente do Poder Executivo, Jair Bolsonaro, se viu solto na cena política e usou e abusou do direito de ser ele mesmo. Sem filtro e sem ter, dentro do Palácio do Planalto, quem o fizesse ver que não era bem assim - desde a demissão do general Santos Cruz ficou visível o retraimento do vice-presidente, Hamilton Mourão, e do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, desgastado pelo episódio do tráfico de 39 quilos de cocaína por um sargento da Aeronáutica no avião de apoio à viagem presidencial à Espanha, em junho - o ex-deputado e ex-capitão ignorou limites e obrigações da presidência da República e foi o Jair Bolsonaro de sempre.

Sem os presidentes da Câmara e do Senado no noticiário diário por falta de sessões legislativas, que recomeçam a partir desta segunda-feira, e com o Judiciário em recesso desde 2 de julho, Bolsonaro mandou e desmandou. Negou dados de desmatamento do INPE; forçou a demissão de servidores; insinuou que o Banco Central deveria baixar os juros (o que era evidente desde a aprovação da reforma da Previdência em 1º turno na Câmara); desmanchou parte da Comissão Nacional da Verdade, depois de fazer afirmações chocantes que contrariavam fatos oficiais; e ainda reeditou Medida Provisória (derrubada na Câmara) para transferir da Funai (agora no ministério da Justiça e Segurança Pública) para a pasta da Agricultura a autoridade sobre demarcação de terras indígenas. E decidiu acelerar a privatização da Eletrobras e suas subsidiárias, com a União, que tem 51% das ações ordinárias e mais 18% via BNDES e subsidiárias, pedindo mesa em futuro aumento de capital.

Seu ego inflou ainda mais quando no meio da semana o presidente americano, Donaldo Trump, seu ídolo confesso, elogiou a possível indicação de seu filho Eduardo, deputado federal do PSL-SP como embaixador do Brasil em Washington, além de fazer enaltecer a família Bolsonaro e o Brasil. Numa comparação de 180 graus, à direita, foi algo parecido com a valorização que Lula e o PT deram quando Barack Obama (diante da aprovação recorde, no Brasil, do presidente brasileiro entre todos os chefes de Estado presentes a uma cúpula do G-20) disse, apontando para Lula: “Esse é o cara”.

Muita gente que comunga com a visão do candidato eleito ficou satisfeita. Mas, quem votou nele simplesmente por desejar uma alternativa de poder ao reinado PT, ficou estarrecida. Nas atitudes, palavras e ordens estava se revelando uma personalidade ávida por exercer o poder absoluto.

Foi preciso o fim do recesso do Judiciário, para o Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, à qual Jair Messias Bolsonaro jurou solenemente respeitar, na posse de 1º de janeiro de 2019, na sua primeira decisão, em manifestação unânime dos 11 integrantes da Suprema Corte do país lhe apresentar cartão amarelo de advertência, revogando a MP que tirava da Funai o poder da demarcação das terras dos povos indígenas. Vale lembrar que a Funai foi criada em 1967, em pleno regime militar, quando tiveram início os grandes projetos de ocupação da Amazônia e Centro-Oeste, que conflitavam com a sobrevivência dos mais genuínos brasileiros.

Humildemente, o presidente do Poder Executivo reconheceu que errou em reeditar Medida Provisória derrubada por votação plenária no Poder Legislativo. Faltou reconhecer no íntimo que a sentença unânime do Poder Judiciário mencionava a afronta à Constituição.

Como é admirador confesso de Donald Trump, Jair Messias Bolsonaro devia estudar como Trump, derrotado no Senado dos Estados Unidos (de maioria republicana), quando os senadores democratas ganharam a adesão de alguns pares republicanos e vetaram a liberação de verbas federais para prosseguir na construção do Muro na fronteira com o México, para impedir a entrada de imigrantes ilegais. Trump recorreu ao Supremo e conseguiu, com o voto da maioria de cinco juízes conservadores (três deles nomeados em sua gestão) para liberar, em 27 de julho, US$ 2,5 bilhões de um fundo do Pentágono (o Departamento da Defesa) destinado para o combate ao narcotráfico.

Com a volta das atividades do Congresso esta semana, espera-se o um mínimo de reequilíbrio institucional do país. O trailer das duas semanas que estão terminando foi meio assustador. Não se deve esperar que o presidente abra mão do jogo bruto das declarações no twitter. Mas, pelo menos, espera-se que os ‘capitães’ da Câmara e do Senado mantenham o compromisso do jogo limpo democrático que o Supremo se mantenha como um WAR, sempre vigilante quando algum lance necessite de interpretação tridimensional, ou apenas que seja respeitada a Constituição.

No mais, está ficando claro que a reforma da Previdência, que será o primeiro compromisso do Congresso em agosto, não será a panaceia capaz de resolver todos os males brasileiros. Serão necessários muito mais estímulos que a simples redução dos juros básicos (Selic), que nunca se transfere na mesma intensidade aos juros bancários, e a liberação de dinheiro do FGTS. A confiança no respeito às regras democráticas é fundamental para instilar confiança para a economia acelerar o ritmo e retomar o investimento.