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Carroça adiante dos bois

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O governo comemora a aprovação do relatório da reforma da Previdência, com chances de ser aprovado em plenário da Câmara antes do recesso, em 18 de julho. Restam duas semanas. É óbvio que a aprovação é melhor que a rejeição da reforma. Neste caso, as contas públicas seguiriam em regime de colisão. Agora, há chances de parar de piorar todo mês. Mas a reforma da Previdência não é uma panaceia capaz de sanar todos os problemas da economia. No dia seguinte à aprovação da reforma, 63 milhões de brasileiros continuarão com o nome sujo do SPC, sem liberdade para consumir via crédito. Com milhões de famílias endividadas, a capacidade de consumo do país está travada. Esse quadro, em meio à mais alta ociosidade da história para a indústria e o comércio, inibe os investimentos e agrava o desemprego que passou de 13 milhões.

Numa situação de encolhimento do mercado o empresário, quando investe, não é para ampliar a produção, mas para reduzir seus custos. E a automação é um dos caminhos para isso, o que agrava a questão do emprego. Somando os 13 milhões de desempregados aos mais de 4 milhões de desalentados (aqueles que depois de dois anos penando na fila, desistiram de procurar trabalho), até porque ficaram ultrapassados por não se atualizarem com as inovações e exigências do mercado de trabalho, só tenderá a crescer a médio prazo a população de 25 milhões de pessoas com a capacidade de trabalho subutilizada (desempregados e/ou operando só parcialmente, como o maquinário das fábricas).

Precavido, Paulo Guedes, ministro da Economia que elegeu a Previdência como a “mãe das reformas” e nela concentrou suas energias, já está acenando com medidas de estímulos para fazer a economia sair da letargia neste 2º semestre. Pelo andar da carruagem, o 1º semestre será negativo ou de crescimento zero. Após a queda de 0,2% no 1º trimestre, só a revisão para cima da safra agrícola e a retomada da produção de minérios em Minas Gerais e de petróleo e gás pela Petrobras (que foi forte em junho) podem evitar o desastre.

A indústria automobilística, com enorme efeito multiplicador na cadeia de fornecedores e no emprego, deu um cavalo de pau em junho e recuou 15,5% frente a maio. Nas economias modernas, dois segmentos, por seus efeitos multiplicadores na cadeia de fornecedores e do emprego, recebem incentivos ou tratamento preferencial: a indústria automobilística e a indústria imobiliária. Mas ambas andam melhor quando há sinais positivos no emprego e boa oferta de crédito, de preferência a juros baixos e a prazos longos.

País com renda per capita baixa, o consumo de bens de alto valor no Brasil, como imóveis e automóveis (mais afeitos às economias maduras e de alta renda do 1º mundo) sempre dependeu do crédito farto, fácil e barato. Mas isso raramente ocorreu. Muita gente ainda não esquece a ilusão do 1º governo Fernando Henrique Cardoso, quando o câmbio artificial do real induziu a compra de automóveis em até cinco anos, com financiamentos em dólar. Uma amiga, jornalista de economia, nunca perdoou FHC pela desvalorização do real após a reeleição, em janeiro de 1999. Ficou até zangada comigo quando ponderei se ela – que como jornalista de economia ouvia todos os dias questionamentos de economistas sobre o câmbio contido de Gustavo Franco e a falta de um ajuste fiscal - não teria sido imprudente em tomar créditos sujeitos a altos riscos? Isso dá ao jornalista de economia maior responsabilidade.

Já tinha alertado algumas vezes que a reforma da Previdência não ia tornar o céu cor de rosa. Aliás, esta é uma situação que quando ocorre no interior, de maio a agosto, não é bem vista, pois é sinal de mais seca. E a seca acaba se refletindo nos supermercados, na mesa e no bolso do consumidor. A seca reduz a oferta de capim no pasto para o gado. Para não perder peso ou ter redução na produção de leite, os produtores têm de gastar mais para alimentar os animais. Custos maiores e produção menor geram alta de preços. Lavouras também são afetadas. Menos mal que a boa safra agrícola derrubou preços e a menor compra de soja pela China, com a perda de matrizes vítimas da gripe suína africana, segura cotações. A seca também leva a Aneel a aplicar bandeiras tarifárias mais caras na energia elétrica. Mesmo assim, a inflação está em queda para a faixa de 3%. Só o Banco Central, a Carolina, não viu.

Paulo Guedes, que enxerga longe, está tirando planos da algibeira. Melhor correr, como precisa fazer nossa hiper protegida indústria automobilística (e a cadeia de fornecedores). Se o acordo Mercosul-União Europeia for ratificado pelos governos (Executivos e Parlamentos) dos 4 países daqui e das 28 nações de lá, em 7 anos a alíquota atual de 35% nas importações cairá para 28,5% para todos e não só para a cota anual de 50 mil veículos importados com tarifas mais baixas. Em 15 anos, o Brasil, um dos 10 maiores produtores de veículos do mundo, terá as mesmas regras das montadoras europeias. Tem de acelerar as mudanças.

Por andar de costas para a Europa (e o 1º mundo), o Brasil, que tinha as carroças no tempo do Collor, segue atrasado. Ao recusar a entrada na ALCA, em 2003 (que seria a porta da entrada para o acordo com a UE, numa 2ª etapa), o Brasil de Lula protegeu, em vão, o emprego e o atraso da sua indústria em geral e da automobilística em particular. Perdemos a inserção da indústria brasileira nas cadeias produtivas mundiais.

Poucos anos antes, no governo FHC, os metalúrgicos do ABCD se insurgiram contra a mudança da fábrica de automóveis da Ford em São Bernardo do Campo para Aratu (BA). Foi a salvação da Ford, gerando empregos para outros metalúrgicos. São Bernardo passou a fabricar caminhões Ford e o Ford Ka, mas agora a matriz americana resolveu fechar a fábrica de vez. Nesses 20 anos em que o Brasil ficou aferrado ao passado, a evolução industrial não parou. A indústria 4.0 está aí mesmo e no Brasil ainda se luta para dar incentivos a quem for produzir automóveis de passeio ou caminhões na antiga fábrica da Ford. O choque do acordo com a UE será um bom desafio.