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O que ganhamos com a Nova Previdência?

Antonio Cruz | Agência Brasil -
Fila de beneficiários em agência do INSS
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Praticamente nada de bom os segurados regulares do INSS têm a ganhar com a dita reforma da Previdência. Tal frustração de objetivos está sendo cuidadosamente escondida da população de contribuintes – são cerca de 60 milhões de segurados do INSS – simplesmente porque o governo Bolsonaro e o Congresso não conseguem enfrentar a questão de fundo da previdência: a quantidade de favorecidos, do lado negativo da conta, e o peso morto, calculado em centenas de bilhões de reais de déficit anual, que esses subvencionados do sistema representam para a minoria que paga a fatia integral de contribuições prevista na lei. Em outras palavras: o Governo omite, e o Congresso finge que não enxerga, a realidade óbvia desta reforma, desenhada para onerar ainda mais os contribuintes regulares a fim de tapar o buraco de bilhões de reais deixado pelas várias categorias que contribuem insuficientemente – ou sequer pagam alguma coisa – pela aposentadoria ou pensão que recebem.

O governo também pode tirar o cavalinho da chuva: não vai arrecadar nem metade, segundo cálculos conservadores, daquele um trilhão de reais, em dez anos, de economia potencial da reforma, com a qual o ministro tenta passar o otimismo sobre a cobertura do rombo orçamentário atribuído à previdência. Apesar de os oficiais de governo alegarem ter respeito aos números e aos fatos, conviria deixar claro o que omitem das contas: o INSS regular, do trabalhador urbano, não gera déficit; apenas deixou de ser mega-superavitário nos anos recentes da crise, tendo por isso deixado de cumprir a parte onerosa, que lhe cabia antes, de cobrir outros ramos assistenciais (BPC, trabalhadores rurais) ou altamente subvencionados (como microempresários do Simples e do MEI, aposentandas do sexo feminino e demais categorias privilegiadas) que, juntos, só em 2018, produziram um buraco no INSS da ordem de R$280 bilhões. Essa cratera enorme era parcialmente coberta por fortes saldos positivos das contribuições dos “trouxas” que contribuem regularmente na faixa de 28 a 31% de desconto sobre seus salários, a taxa previdenciária mais elevada e injusta do mundo. Ainda assim, após anos de recuo no mercado de trabalho, tais “trouxas” ainda arrecadaram mais do que sacaram do INSS em 2018: cerca de R$15bilhões, embora insuficientes para cobrir o rombo das demais categorias subsidiadas. E o que fez a Câmara? Está votando um Relatório que afasta TODAS as categorias já subvencionadas de qualquer esforço adicional de reequilíbrio, mas DUPLICA o excesso de contribuição que o segurado regular já deixa hoje no caixa do INSS.

Não vi sequer um congressista se interessar em aprofundar estes números ou, muito menos, convocar o IFI ou outra assessoria legislativa para conferir a denúncia que, repetidamente, temos feito aqui: estaremos aprovando a “reforma dos degolados”, pois produzirá o extermínio do que ainda restava de confiança no INSS como um regime de previdência do qual se podia esperar algum retorno. A esperança do contribuinte pulou pela janela. E a consequência inesperada (mas de fácil compreensão por qualquer pensador liberal, mesmo de meia tigela) será que, uma vez desestimulado a ser um segurado regular , quer dizer, ser mais um “trouxa”, o contribuinte de desconto pleno tentará virar um MEI, um Simples, um trabalhador rural, um informal, uma contribuinte tardia, ou pelo menos, um contribuinte irregular, para não ser aquele que, inutilmente, deixa dinheiro de sua suada poupança pessoal na mão de um governo inconfiável, incapaz de desenhar, gerir e pagar um sistema de benefícios universal, em que todos paguem por igual, e onde ninguém ganhe às custas dos trouxas que mais contribuem.

Tampouco o governo conseguiu mostrar que um novo regime de capitalização, com contas individuais, rodando em paralelo ao atual regime de repartição, já bem reformado e gradualmente capitalizado, como previsto em lei, teria a vantagem de oferecer mais opções interessantes para o contribuinte, atraindo-o para ser segurado regular, sem eliminar o regime antigo em favor do novo. O governo matou uma ideia ótima e simples, a capitalização gradual do INSS e das contas individuais, por não saber explicar direito o que queria fazer. Não tinha projeto. A tragédia é maior porque a falta de boas alternativas vai gerar a fuga em massa do INSS. Menos de metade das tais economias previstas de um trilhão serão de fato geradas. E, no mandato do atual presidente, os pedidos acumulados de novas aposentadorias, nos setores público e privado, já estão e continuarão gerando uma avalanche de gastos adicionais e inesperados nos próximos três anos, para enlouquecer ainda mais os técnicos do ministério da Economia que, em vão, tiram, com baldes improvisados, a água que entra em cachoeira nos porões do Orçamento federal.

A improvisação reinante nesta dita “reforma”, além da irresponsabilidade do silêncio daquelas elites empresariais que se recusam a exigir uma reforma correta e eficiente para o País, forma uma espécie de buraco negro da inteligência nacional. É um período de profunda escuridão e de privação de caminhos. Um grande e poderoso País, o nosso Brasil, se esvai entre os dedos de uma geração tão incompetente e quanto ladina. Apesar da franqueza dura, esta é a realidade que não pode calar.