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O Brasil ainda está em recessão?

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Economistas são bons em definições e péssimos em soluções. Existe uma definição econômica bastante boa para a situação de chove-não-molha da economia brasileira em 2019. É a recessão do crescimento. As expectativas, antes do início da gestão Bolsonaro, eram muito positivas. O Brasil tinha tudo para surpreender e chegar a uma variação do PIB, este ano, de 3% ou mais. Os cerca de 2,5% de crescimento esperados pelo mercado estavam, no entanto, em linha com outro número mágico da profissão, o chamado “PIB potencial”, aquele nível de crescimento estimado em modelos matemáticos que, sem pressionar a inflação, seria compatível com a queda do desemprego, o aumento dos investimentos e uma expansão firme do consumo e da arrecadação fiscal. Em suma, 2019 seria uma navegação em mar de almirante para o capitão do Brasil.

Não mais. E estamos cada vez mais nos afastando do tal PIB potencial. A última estimativa do levantamento Focus, feito pelo BC, dá conta de uma variação de apenas 1,7% e caindo. Daí o conceito de recessão, não com um número negativo – que seria a recessão clássica – mas uma recessão “do crescimento”, quando este fica abaixo de um potencial perfeitamente atingível, no caso, algo como 2 a 2,5%. De fato, este é o quadro atual: a indústria de transformação roda na faixa de 74% de utilização de sua capacidade, segundo recente pesquisa da FGV. O ideal seria operar mais próxima aos 85 a 90% de uso do parque fabril. O desemprego não caiu: até aumentou ligeiramente, dentro da faixa ruim em que se encontra. A perspectiva de investimento privado em nada melhorou. O Brasil, por azar, acaba de cair fora de uma lista internacional de 25 melhores destinos para investidores. O próprio presidente cometeu “sincericídio” involuntário, não medindo suas palavras, ao afirmar ser o investimento no Brasil um “esporte de altíssimo risco”.

A taxa de desconforto social também segue aumentando com as altas de preços da cesta básica acompanhada pelo DIEESE, ou seja, além de meio desempregado, o brasileiro enfrenta um encurtamento do seu orçamento básico. Parece ser posição negativista, mas apenas cito dados oficiais publicados. É nítida a falta que faz um discurso de rumos certos para o País, uma visão clara de projeto de Nação, algo que soa complexo, mas é apenas a urgência de uma agenda clara e confiável de como o governo levará a bom termo o conjunto de reformas (não só a da previdência!) que pretende aprovar, além de todas as medidas de políticas públicas para, gradualmente, começar a melhorar a vida dos brasileiros na educação, na saúde, na segurança, nos transportes etc.

Medidas positivas, algumas poucas, até têm sido anunciadas. É o caso do projeto anti-crime organizado do ministro Moro e as medidas contra a burocracia do secretário Paulo Uebel. Mas o ambiente político, quando negativo, não perdoa nem as boas iniciativas, que se perdem na cacofonia das afrontas de um autonomeado guru do governo às principais autoridades militares, além de providências fora de contexto, como os anunciados cortes na educação superior, no IBGE, no orçamento da Forças Armadas, em meio à agora anunciada volta de ministérios cortados.

Sim, a recessão do crescimento está ai. É o chamado “crescimento pigmeu” ou, numa melhor expressão do grande economista mineiro Carlos Alberto Teixeira de Oliveira, especialista em JK e em desenvolvimento (ah, bons tempos passados!) quando se refere à “síndrome do raquitismo econômico” do País. Trata-se de uma definição apropriada: síndrome de raquitismo, uma doença grave, embora crônica, que trava o desenvolvimento normal de um organismo vivo, às vezes sem muita explicação etiológica. Pois esse é o nosso diagnóstico preciso. O Brasil desaprendeu a fazer o que é certo. Perdeu-se na esgrima estéril entre grupos que se odeiam. As variáveis principais da economia, como juros, impostos e gastos públicos, estão todas fora de lugar. E o governo age como se desconhecesse a natural conexão que há entre tais variáveis, o que exigiria uma terapia de ataque frontal ao raquitismo, não bastando o estilo de se tentar aprovar “uma reforma atrás da outra” como se ensaia fazer. O tempo político – já disse isso aqui - é diferente do tempo do relógio. E o deste governo, embora cronologicamente, ainda no começo, está prestes a se esgotar, se nada mais audacioso for tentado.

(*)Paulo Rabello de Castro é autor do “Mito do Governo Grátis” e “Rebeldia e Sonho”, ambos publicados por Edições de Janeiro