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Uma base desafiadora

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Nenhum sacrifício para se constatar e entender, na análise do quadro político, o volume das dificuldades que enfrenta o presidente Bolsonaro, de forma cada vez mais agudas, no projeto de construir uma base de apoio no Congresso. Os percalços podem ser explicados a partir de um dado que vem carregado de todas as evidências: o primeiro teste na criação da base parlamentar coincidiu com o tema de maior sensibilidade política, a reforma da Previdência; não porque senadores e deputados desconheçam a necessidade da matéria em tramitação, mas por temerem as reações de seu eleitorado. É fora de dúvida que se os plenários enfrentassem testes mais amenos a sorte do presidente teria sido outra. É difícil saber se seus assessores pensam da mesma forma, mas é possível que acabem concordando nas avaliações a que serão chamados em breve, quando perceberem que cruzaram com o Congresso pelo caminho mais espinhoso. 

As dificuldades para essa composição revelam, como contribuição paralela, o fato de o governo Bolsonaro trazer como partido original de sua proposta política um novato, o PSL, sem força e sem experiências suficientes para organizar um plano de apoio parlamentar. Carga pesada demais para a fragilidade dessas costas novatas em grandes embates. É o que se vê no episódio previdenciário. A legenda principiante força o governo a buscar alternativas de adesões – a que custo? - e elas nem chegam a ser suficientes para maiores avanços. 

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A formação de uma sólida estrutura de apoio é dificuldade que se amplia na mesma proporção em que se tornam mais numerosos os partidos representados em plenário. Desafiando Bolsonoro são duas dúzias, com corpo e alma prontos a reivindicar ou contestar. De Gaulle já se queixava da fartura de bancadas no Parlamento francês, dificuldade tal qual administrar um país com 400 tipos de queijos, dizia ele. Porque, quando são muito, geralmente revelam-se fracos e sedentos. Custam caro governo. 

Outra questão a complicar o amaranhado de base sustentável, coisa que presidentes anteriores não haviam enfrentado com as dimensões atuais. é a ausência de cabeças coroadas, que se impunham, sabiam como decidir, de forma que os menores achassem que não estavam sendo capitaneados. Quase todos esses articuladores competentes foram para casa, soprados pelas cinzas que ficaram das antigas fileiras do PSDB e do MDB. Mesmo entre os raros reeleitos falta-lhe força para assumir missão dessa envergadura. Restaram poucos com alguma habilidade, mas sem o talento de espadachim dos ausentes.

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O governo não tem como escapar das injunções que podem levá-lo a transitar, com alguma desenvoltura, pelas duas casas do Congresso, embora desejasse escapar delas; tanto assim, que não hesitou em prometer ao eleitor suficiente dignidade para enfrentar imposições político-partidárias. Não devia ter prometido, sabendo que o modelo presidencialista de coalizão vivido no Brasil é competente e insinuante, às vezes sutil, às vezes como uma locomotiva; de forma que até ditadores, em algum momento, cederam. Nem haveriam de escapar presidentes guidados ao impulso de consagradas votações, como Jânio, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Não puderam se dar ao luxo de fazer pouco-caso das composições com parlamentares. Se a História prima pelas repetições, por que Bolsonaro haveria de destoar?

Tags:

base | coisa | política