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Que situação é essa, meu Deus?

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Em apenas uma semana, um céu de chumbo parece ter se despejado sobre nossas cabeças. O extenso inventário de más notícias derrubou a Bolsa e fez o dólar passar dos quatro reais. Os mercados trocaram de mal com o presidente e começaram a lançar dúvida sobre a eficácia da equipe do ministro da Economia. Os estudantes foram às ruas. Em 2019, as "jornadas de junho" de 2013 foram antecipadas para maio. O IBGE veio com números piorados de desemprego e o BC endossou o mau humor do mercado com sua nova prévia negativa do PIB. O IFI, agência orçamentária do Senado, saiu com previsão catastrófica sobre o déficit primário federal que, nas projeções daquele instituto, só sairá do vermelho após o atual mandato presidencial, que expira em 2022. E, como se não bastasse, o ministro Guedes foi ao Congresso para "explicar" porque está pedindo autorização para ter um novo cheque em branco de R$249 bilhões (!). E emendou, sem cerimônia, para parlamentares boquiabertos: "Agora a bola está com vocês; tem que autorizar pois, se não fizerem isso, em agosto o governo vai parar".

Não importa quem tenha feito as contas erradas, ao tempo em que o Orçamento de 2019 ainda estava sendo votado. O fato é que o governo entrante não se mexeu para conter os gastos - todos os gastos, aliás. Pelo contrário. Lembramos da bravata, nos primeiros dias de governo, de que daria até para se tentar zerar o déficit primário, então estimado em R$139 bilhões. Para tanto, bastaria aprovar logo a reforma da Previdência, eleita como prioritária, e deixar a economia ser embalada pelas expectativas eufóricas de uma gestão liberal, privatizante e inimiga de interferências públicas nos mercados. O crédito iria fluir fácil dos bancos privados. Linhas importantes, como o BNDES Giro, foram simplesmente suspensas. Os bancos privados iriam suprir as empresas médias e pequenas de mais crédito para o giro dos negócios.

O cenário resultante veio como uma trombada feroz, impressionando até os mais pessimistas. Mais uma vez, ficou clara a verdade, que teimamos em negar para nós mesmos: o governo não é a resposta; ele mesmo é o problema! A gestão pública baseada em voluntarismos e em postulados meramente ideológicos, sem um planejamento com pé no chão e sem avaliação das contingências e tropeços no caminho, nos trouxe à triste realidade atual. O desequilíbrio das contas de governo é estrutural e disseminada. Com isso queremos dizer algo que não entrou ainda na avaliação de muitos. É que não adianta pedir o corte dessa ou daquela conta. Isso já tem sido feito por governos sucessivos, desde FHC, Lula e Dilma, e de novo, por Meirelles, na gestão Temer. Os ministros miram as contas chamadas discricionárias, ou seja, as contas legalmente passíveis de serem cortadas, como o custeio da máquina e, em especial, os investimentos, item que primeiro sofre com a tesoura. Cansativamente, a equipe de Bolsonaro vem apelar para o mesmo recurso: cortar o lado discricionário, ressalvando cortes em todo o resto do Orçamento da União. Miram 20%, se tanto, dos gastos, e eximem os outros 80% do sacrifício. Desse jeito, o déficit não fechará nem por milagre. E, se a economia permanecer andando de lado, como está, a arrecadação não irá colaborar com verba extra. Neste contexto, qual o valor de um aperto de longo prazo nas contas deficitárias da previdência? Praticamente nenhuma vantagem. A economia esperada com a tesoura na previdência é de R$160 bi, acumulados até 2022. Mas o déficit previdenciário, só em 2018, foi de R$265 bi, com tendência a piorar este ano. Os números da vantagem esperada não batem com o tamanho enorme do buraco previdenciário.

Qual a conclusão? Cortes pontuais, seja na Educação, como anunciados, gerando fortes protestos, ou na Defesa, como antes avisado às Forças Armadas, ou aos segurados do INSS, e mais os cortes no orçamento dos investimentos, que paralisam o Brasil do futuro, são tentativas frustradas de segurar uma gastança silenciosa do Orçamento da União como um todo, que vai a um trilhão e oitocentos bilhões de reais (incluindo a conta brutal de juros, quase nunca lembrada). O que nos diz o bom senso? O governo, desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, não deveria ter ficado apenas nesta ou naquela proposta de reforma. Deveria ter encarado, com realismo, um ajuste estrutural e geral no seu Orçamento para 2019. Já era. Agora, só em 2020.

(*) Paulo Rabello de Castro é economista e autor de diversas propostas de equilíbrio das contas públicas. Autor de O Mito do Governo Grátis e Rebeldia e Sonho, ambos das Edições de Janeiro